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O time da decisão da Libertadores contra o Cobreloa em Montevidéu – em pé: Mozer, Raul, Marinho, Nei Dias, Andrade e Júnior; agachados: Tita, Leandro, Nunes, Zico e Adílio (de curativo na testa, após ter levado uma pedrada que abriu seu supercílio no jogo de Santiago).

Na última quarta-feira, 23 de novembro, completou-se 30 anos de um grande passo dado pelo Flamengo para a conquista do mundo. Em Montevidéu, no jogo-desempate, o Rubro-Negro derrotou os chilenos do Cobreloa por 2 a 0, gols de Zico, e levantou a Taça Libertadores da América, troféu o qual apenas Santos e Cruzeiro possuíam no Brasil de então.

Embora o título tenha sido conquistado com todos os méritos por um dos maiores times que o Brasil já pôde ver jogar, também há praticamente 30 anos os rubro-negros leem e ouvem de torcedores de outros clubes todo o tipo de acusações falsas e falácias, repetidas ad nauseam através dos tempos, e que, com isso, ganharam status de “verdades”, ainda que facilmente desmentíveis.

Selecionei aqui dez delas, contestando-as e rebatendo-as detalhadamente, lembrando fatos “esquecidos” convenientemente nas argumentações e provocações dos adversários. Vamos a elas.

Sobre a primeira fase e o torneio de uma forma geral:

1. “Foi a Libertadores ‘mais fácil da história'”.

Primeiro vamos relembrar o regulamento da competição na época. Cada país tinha direito a dois representantes – no caso do Brasil, onde só havia um torneio nacional, participavam o campeão e o vice do Brasileirão. Na primeira fase, os 20 clubes eram divididos em cinco grupos de quatro equipes cada, com os dois de um mesmo país dentro do mesmo grupo.

E é importante reiterar: apenas UMA equipe de cada grupo se classificava para as semifinais – ao contrário do que aconteceu por exemplo, durante a década de 90, quando nada menos que três times de um grupo de quatro seguiam adiante (aí sim era moleza). Em caso de igualdade por pontos ao final da primeira fase, jogava-se uma partida extra em campo neutro. Nenhum outro critério de desempate era considerado para determinar um classificado direto. Saldo de gols, número de vitórias, nada. Empatou em pontos, vamos pro jogo extra. Era coisa de vida ou morte.

Nas semifinais, os cinco campeões de grupo se juntavam ao atual vencedor do torneio e se dividiam em dois triangulares, em ida e volta. De novo, somente o primeiro colocado de cada chave passava à final. Isto posto, vamos aos adversários do Flamengo na primeira fase de 1981. O Atlético-MG dispensa apresentações, além de ser assunto para um próximo tópico. Os outros rivais eram os paraguaios Olimpia e Cerro Porteño.

Nunes encara a defesa do Cerro na goleada rubro-negra por 5 a 2.

Sobre o Olimpia, basta dizer que mantinha a base (sete jogadores) da equipe campeã da Libertadores (em cima do Boca Juniors na Bombonera) e do Mundial Interclubes apenas dois anos antes. Já o Cerro era menos badalado, mas também tinha jogadores conhecidos, como o goleiro Roberto “Gato” Fernández, que seria titular da seleção guarani na Copa de 86 e mais tarde defenderia o Internacional e o Palmeiras. Juntos, Olimpia e Cerro tinham formado a base do time do Paraguai que conquistou a Copa América também em 1979. Definitivamente não era um grupo fácil.

2. “Os argentinos não jogaram o torneio naquele ano”.
3. “Os argentinos escalaram juniores por causa da Guerra das Malvinas”.
4. “Após a Copa de 78, os times argentinos ficaram enfraquecidos ao venderem seus talentos, e o nível da competição caiu”.

Os dois primeiros argumentos não resistem à mínima pesquisa. Basta procurar em sites como o da RSSSF para se constatar que o futebol argentino não só disputou a Libertadores, como foi representado por um gigante, o River Plate, e outro time bastante tradicional, o Rosario Central.

Se o Rosario não tinha tantas estrelas, o mesmo não se pode dizer do River: faziam parte daquela equipe jogadores como Fillol, Tarantini, Passarella, Alonso, Houseman, “Cacho” Heredia, Ramón Díaz, Ortiz e Kempes – todos eles disputaram ou disputariam Copas do Mundo pela seleção argentina, e alguns se sagrariam campeões mundiais em 1978.

No entanto, surpreendentemente, ambos os argentinos foram eliminados na primeira fase do torneio pelo Deportivo Cali, cuja vitória por 2 a 1 sobre o River com todas as suas estrelas em pleno Monumental de Nuñez é lembrada até hoje na Colômbia como um dos grandes feitos do futebol do país.

Portanto, os argentinos jogaram sim a Libertadores e escalaram todos os seus titulares, inclusive as estrelas que formavam a base da seleção. E as Malvinas? Colocar um conflito declarado somente em abril de 1982 como responsável por um “boicote” argentino (que, como vemos, não houve) no torneio de 1981 trata-se da mais pura ignorância e incongruência histórica, pra dizer o mínimo.

Quanto ao suposto enfraquecimento técnico do futebol argentino em termos de clubes após a Copa de 78, basta ver os jogadores com os quais contava o River para se perceber que não era assim. O Boca Juniors, que inclusive veio ao Maracanã enfrentar o Flamengo em amistoso em setembro daquele ano, tinha Maradona, Brindisi e Hugo Gatti, entre outros. Sem falar que o futebol uruguaio vivia um grande momento. Na época, as seleções ainda contavam, em sua maioria, com jogadores atuando em seus próprios certames, diferentemente do que viria depois.

Sobre o jogo de Goiânia:

5. “José Roberto Wright estava comprado pelo Flamengo. A prova disso é que ele viajou no mesmo avião do time”.
6. “José Roberto Wright expulsou cinco atleticanos injustamente”.

Jornal do Brasil, 21 de agosto de 1981Sim, José Roberto Wright viajou no mesmo avião da delegação do Flamengo… e da do Atlético. Os dois times e o trio de arbitragem viajaram juntos, no mesmo o voo para Goiânia (ao lado, nota do Jornal do Brasil do dia da partida, com a confirmação). As duas delegações também se hospedaram no mesmo hotel e, os jogadores atleticanos foram desautorizados por sua diretoria e pelo presidente Elias Kalil (pai do atual mandatário Alexandre Kalil) a ter qualquer contato com os atletas do Fla.

Ainda sobre Wright, árbitro carioca (e notório torcedor do Fluminense) filiado então à Federação Gaúcha, é preciso dizer que sua escalação (bem como a de todo o trio, que incluía Romualdo Arppi Filho e Oscar Scolfaro) foi indicada pelo próprio Atlético, que o considerava – até aquela partida – o melhor do ofício no Brasil.

Jornal do Brasil, 20 de agosto de 1981O árbitro, aliás, já havia apitado o primeiro confronto entre as duas equipes naquela competição, um empate em 2 a 2 no Mineirão. E protagonizou um equívoco sem maiores problemas: encerrou o primeiro tempo aos 41 minutos. Avisado do engano por um dos auxiliares, teve que chamar os times de volta para jogar os quatro minutos restantes.

Jornal do Brasil, 21 de agosto de 1981 - coluna "Campo Neutro", de José Inácio WerneckQuanto ao local da partida, a ser disputada em campo neutro, o Flamengo sugeriu três estádios: o Castelão, em Fortaleza; a Fonte Nova, em Salvador; e o Serra Dourada. E ainda afirmou que aceitaria um sorteio entre Maracanã e Mineirão. Já o Galo preferia o Morumbi (certo de que a rivalidade Rio-São Paulo faria os paulistas “adotarem” o Atlético) e, cinicamente, disse que também não se importaria em jogar no Mineirão. A Confederação Sul-Americana bateu o martelo, e o Serra Dourada, considerado quase unanimemente na época o melhor gramado do país, foi o escolhido.

Começou aí, estranhamente, o esperneio do Galo: Elias Kalil, revoltado com a escolha, disse que era “um jogo de cartas marcadas”. Mais tarde, acusaria a CBF de integrar a “máfia carioca”.

Era o mesmo Atlético que, dois anos antes, simplesmente abandonara o Campeonato Brasileiro em plena disputa por se sentir prejudicado pela tabela de seu grupo (que incluía o rival mineiro Cruzeiro, o gaúcho Internacional e o Goiás) na terceira fase da competição.

Aliás, aqui cabe mais um parêntese: o único caso comprovado de pagamento de um “por fora” nessa história toda veio do Atlético, que, na semana anterior, enviou dois representantes a Assunção para oferecer uma quantia milionária como “mala branca” ao Cerro ou ao Olímpia, para que derrotassem o Flamengo e, assim, evitassem que o rubro-negro alcançasse o Galo em pontos, o que levaria ao jogo extra, como contou o jornalista mineiro Claudio Arreguy em matéria para o Jornal do Brasil no dia 16 de agosto.

Cláudio Arreguy em Jornal do Brasil, 16 de agosto de 1981

Portanto, era esse Atlético, pilhado contra tudo e contra todos, achando-se o “eterno perseguido” – ainda que tentando tramar nos bastidores e exigindo que fosse feita a sua vontade -, o que entrou em campo naquela partida. Aliás, não só os jogadores. Dirigentes e comissão técnica do Galo invadiram o gramado após a expulsão de Éder para, literalmente, tirar o time de campo.

O jogo começou bastante truncado. Nunes fez falta em Éder no meio-campo. Wright veio correndo em sua direção, e botou o dedo na cara do atacante rubro-negro. Depois Leandro escapou de um carrinho por trás de Reinaldo, mas foi parado por Palhinha. Vaguinho entrou de sola em Júnior, e assim seguia o baile. Até que, em um certo momento, como explica Zico:

“Aconteceram duas porradas lá, uma de cada lado, e o Wright chamou a mim e ao Cerezo, os dois capitães.
– Vão lá e falem pros seus times que o primeiro cara que fizer uma falta por trás, eu vou dar cartão vermelho direto. Pode avisar!
Eu nunca vi isso, primeira vez. Reuni o Flamengo e avisei. Mas não deu cinco minutos. Eu peguei uma bola, o Reinaldo veio por trás e me deu uma tesoura. Aí ele vermelhou.”

Foi a senha. Éder, que teria xingado o árbitro, recebeu cartão vermelho e se ajoelhou no gramado, não acreditando. Palhinha e Chicão também foram expulsos por reclamação. Puxado pelo diretor de futebol alvinegro Marcelo Guzela, o banco de reservas do Atlético entrou em campo, e o jogo ficou paralisado por cerca de meia hora.

Wright, um juiz na berlinda no Fla x Galo.

Wright tentou reiniciar o jogo, mas o goleiro João Leite simulou lesão e caiu no gramado, para interromper novamente a partida. A ideia do camisa 1 era que o Galo, que já havia feito duas substituições, ficasse sem o número suficiente de jogadores em campo, e o jogo fosse suspenso. O juiz percebeu e mandou o arqueiro se levantar. O zagueiro Osmar pegou a bola com as mãos e se negou a devolver. Também foi expulso. E o duelo – ou o teatro – terminou.

Um juiz perdido, um time insuflado e outro assustado. Foi um resumo do jogo de Goiânia. A imprensa de todo o país – exceto a mineira, obviamente – foi unânime em inocentar o Flamengo, centrando fogo em José Roberto Wright. Na Placar, Juca Kfouri levantava a hipótese de o árbitro ter agido em vingança pessoal contra Vaguinho, que, quando ainda defendia o Corinthians, teria agredido o juiz num amistoso com o Fluminense.

Em artigo brilhante publicado na edição de 12 de março de 1982 da mesma Placar, o jornalista e escritor mineiro Roberto Drummond, atleticano histórico, era preciso ao detectar, já no título: “O mal do Galo é cultivar a neurose do Flamengo”. Segundo ele, desde a derrota por 5 a 1 no célebre amistoso de 1979 em que Pelé vestiu a camisa rubro-negra, os atleticanos viviam uma obsessão: dar o troco na mesma moeda.

Vale a pena citar um trecho do artigo que faz menção ao jogo de Goiânia:

“Uma obrigação, por sinal, que só ajuda ao Flamengo, na medida em que os jogadores do Atlético entram em campo carregando um peso mais elevado que as sacas de café que os estivadores de Santos carregavam: a obrigação de liquidar o Flamengo de Zico e Raul. O resultado, vocês sabem: os jogadores do Atlético perdem a cabeça, como Reinaldo perdeu várias vezes, acabam expulsos e acontecem cenas como as do Serra Dourada.”

Curiosamente, não foi a primeira vez naquele ano em que um jogo do Atlético foi encerrado precocemente devido ao descontrole dos mineiros: em 27 de abril, um amistoso contra o Moto Clube em São Luís terminou aos 25 minutos do segundo tempo depois que quatro jogadores atleticanos (um deles, Palhinha) e o então técnico do time, Pepe, foram expulsos pelo árbitro Nacor Arouche. Todos por reclamação. E o Galo tirou o time de campo perdendo por 2 a 0.

Voltando ao jogo de Goiânia, não deixa de ser intrigante observar como uma partida em que não houve qualquer lance de pênalti claro (ou sequer duvidoso) ignorado para o Atlético, nem pênalti inexistente (ou duvidoso) apitado para o Flamengo, assim como nenhum gol legal dos mineiros anulado ou gol irregular validado em favor dos cariocas é referido constantemente – pelos não-rubro-negros, naturalmente – como “o maior roubo da história”.

Afinal, é sempre importante frisar que TODA a controvérsia de arbitragem que envolveu a partida se deu única e exclusivamente por motivos disciplinares somente da parte dos jogadores (e dirigentes) atleticanos.

7. “O Atlético tinha um time muito melhor e golearia o Flamengo se o jogo tivesse continuado”

O Atlético tinha um grande time, isso é inegável. Cinco jogadores (João Leite, Luizinho, Cerezo, Reinaldo e Éder) tinham passagem pela Seleção de Telê, e outros não menos experientes – como Chicão, Palhinha, Osmar Guarnelli e Vaguinho – completavam a equipe. Todo mundo ali evidentemente sabia jogar. Porém, no entanto, às vezes apelava. Basta lembrar de um lance omitido com frequência nas discussões e ocorrido no jogo de ida da decisão do Brasileiro de 1980, entre os mesmos clubes, no Mineirão.

Bola alçada na área do Flamengo, e Palhinha se aproveita do tumulto para desferir uma cotovelada em Rondinelli. O zagueiro vai de encontro à trave e cai, dentro da área. O juiz Romualdo Arppi Filho (bandeira do jogo de Goiânia, lembrem-se) nada marca. Rondinelli deixou o gramado desacordado, com afundamento no malar e fratura na mandíbula (que o levaria a perder parte da audição), e desfalcou o Fla na partida de volta, no Maracanã.

Parêntese fechado, do outro lado havia o Flamengo. Raul, Júnior, Tita, Zico e Nunes já haviam sido chamados por Telê, assim como Vítor, reserva de Andrade. Leandro debutaria na Seleção no mês seguinte. E Adílio seria convocado em março de 1982. Precisa dizer mais?

Se ainda restar dúvida de que os times, no mínimo, se equivaliam (ou seja, ignorando a superioridade rubro-negra, tenha ela a proporção que tiver), vamos aos números. Nos cinco anos anteriores, os confrontos diretos entre eles registraram os seguintes resultados:

Flamengo 2 x 1 Atlético-MG (Camp. Brasileiro, Maracanã, 31/10/76)
Atlético-MG 0 x 2 Flamengo (amistoso, Mineirão, 06/08/78)
Flamengo 5 x 1 Atlético-MG (amistoso, Maracanã, 06/04/79)
Atlético-MG 2 x 1 Flamengo (amistoso, Mineirão, 13/02/80)
Atlético-MG 0 x 1 Flamengo (amistoso, Mineirão, 01/05/80)
Atlético-MG 1 x 0 Flamengo (Camp. Brasileiro, Mineirão, 28/05/80)
Flamengo 3 x 2 Atlético-MG (Camp. Brasileiro, Maracanã, 01/06/80)
Flamengo 2 x 1 Atlético-MG (Camp. Brasileiro, Maracanã, 08/03/81)
Atlético-MG 0 x 0 Flamengo (Camp. Brasileiro, Mineirão, 25/03/81)
Atlético-MG 2 x 2 Flamengo (Taça Libertadores, Mineirão, 03/07/81)
Flamengo 2 x 2 Atlético-MG (Taça Libertadores, Maracanã, 07/08/81)

Ao todo foram 11 jogos, com seis vitórias rubro-negras (duas delas em Belo Horizonte), duas atleticanas (ambas no Mineirão) e três empates. Se na própria capital mineira o retrospecto era bem equilibrado (no Maracanã, a vantagem rubro-negra era uma verdadeira lavada), o que levaria alguém a crer tão veementemente que em Goiânia, campo neutro, o Galo “golearia”? O Atlético poderia vencer sim, da mesma forma que o Flamengo também poderia. Mas daí a decretar taxativamente é algo que foge a qualquer análise neutra.

No jogo de Goiânia, aliás, o empate nos 90 minutos levaria a uma prorrogação. No tempo extra, o Flamengo (disparado o time com melhor saldo de gols do grupo) finalmente teria alguma vantagem: podia jogar por nova igualdade. Ou seja: o time que entrou em campo precisando vencer de qualquer maneira – fosse nos 90 minutos ou numa eventual prorrogação – era o Atlético.

Sobre as semifinais:

8. “Além de não enfrentar argentinos, o Flamengo também não enfrentou uruguaios”.
9. “Novamente, o time teve adversários fracos pela frente”.

Com a classificação confirmada pela Conmebol, o Fla se juntou aos uruguaios Nacional e Peñarol, ao chileno Cobreloa, ao colombiano Deportivo Cali e ao boliviano Jorge Wilstermann. E tentou um acordo: por motivos de proximidade, para evitar uma viagem desgastante e para garantir melhores rendas, os dirigentes rubro-negros admitiam abertamente que preferiam enfrentar a dupla uruguaia, ainda que estes fossem considerados os rivais mais fortes.

Zico enfrenta o Cobreloa em Santiago.

Mas o Cobreloa chiou, e exigiu um sorteio. Acabou que a bolinha dos chilenos caiu no mesmo grupo das dos uruguaios. Ao Fla, coube enfrentar colombianos e bolivianos. E quem eram Deportivo Cali e Jorge Wilstermann?

O alviverde colombiano tinha história na competição: fora vice-campeão em 1978, perdendo e decisão para o Boca Juniors, e há dez anos não era derrotado em casa pelo torneio. Naquela Libertadores de 81, cruzou com outros dois argentinos, como citamos antes, e – é sempre bom relembrar – foi o time que eliminou o River Plate, completo, dentro de Buenos Aires. Portanto, o Fla não enfrentou argentinos. Mas enfrentou o carrasco dos “hermanos”, e venceu com autoridade: 1 a 0 na Colômbia e 3 a 0 no Maracanã.

João Saldanha em Jornal do Brasil, 2 de outubro de 1981

Já o Wilstermann tinha como maior trunfo a altitude de Cochabamba, 2.560 metros acima do nível do mar. Foi o primeiro clube boliviano a passar para a segunda fase na Libertadores, e o fez comandado por um velho rival rubro-negro: Jairzinho. O Furacão, porém, deixou o clube após a primeira fase, mas não escaparia de enfrentar o Fla… só que pelo Botafogo, na goleada rubro-negra de 6 a 0, naquele mesmo semestre, no Campeonato Carioca. Mas antes disso, o Flamengo derrotou os bolivianos por 2 a 1 lá no alto do morro, e por 4 a 1 no Maracanã (sem Raul, Leandro, Mozer e Zico).

Enquanto isso, no outro grupo…

Sobre a decisão:

10. “O Cobreloa era um time inexpressivo, sem tradição”.

Enquanto isso, no outro grupo, o Cobreloa despachava com tranquilidade dois timaços: Nacional (então atual campeão) e Peñarol (que levaria o título no ano seguinte). Aliás, a história do time chileno merece um parágrafo à parte.

Fundado há então apenas quatro anos, o Cobreloa era a sensação do futebol chileno. Subira para a primeira divisão (de onde nunca seria rebaixado) em sua primeira temporada de existência, e já em 1980 era campeão nacional. Bancado por uma mineradora, tinha metade de seu time na seleção chilena, e até alguns estrangeiros, como o uruguaio Siviero, reserva da Celeste. Além disso, jogava em um autêntico alçapão: o estádio Municipal de Calama.

Porém nem precisou do fator campo para chegar à decisão: venceu em Montevidéu o Nacional de Rodolfo Rodríguez (1 a 0) e o Peñarol de Rubén Paz (2 a 1) e voltou ao Chile praticamente classificado, precisando de apenas um ponto. Goleou o Peñarol (4 a 2), empatou com o Nacional (2 a 2) e, assim como o Flamengo, passou invicto à final.

E na final, aconteceu o que todos sabem: o Fla venceu no Maracanã (2 a 1), e perdeu, em clima de guerra, no Estádio Nacional de Santiago (1 a 0): Adílio levou um soco de Mario Soto dentro da área, teve o supercílio aberto e a camisa ensanguentada. O mesmo jogador chileno acertou um golpe em Lico que perfurou a parte superior do olho do meia. Depois, Puebla fez falta em Júnior e pisou no lateral caído.

Tudo sob a complacência da arbitragem, que ainda anulou uma jogada legal do ataque do Fla, quando Tita lançou Zico, que vinha de trás e ficaria cara a cara com o goleiro Wirth, com o placar ainda em 0 x 0. Ramón Barreto, o juiz uruguaio, marcou impedimento. Mas não foi nada. Pra quem tinha sido intimidado até por carabineiros com metralhadoras, mais importante do que o placar, o jogo, era sair dali vivo.

O troco veio no jogo desempate, no Uruguai, naquele 23 de novembro de 1981. Vitória categórica e incontestável do Fla por 2 a 0, dois gols de Zico, em atuação absolutamente antológica.

O título do Flamengo mudou paradigmas. O futebol brasileiro, que vivia de conquistas episódicas no torneio com Santos e Cruzeiro, passou a ambicionar o troféu sul-americano e o do Mundial de Tóquio. Com craques em todas as posições do time, um fora-de-série vestindo a 10, um departamento de futebol extremamente competente e um modelo de gestão organizado, o clube da Gávea traçou uma meta, preparou-se com afinco para ela e obteve sucesso. Os fatos são esses. O resto é história.

O Cobreloa – que chegaria de novo à decisão da competição no ano seguinte, mas perderia para o Peñarol – voltaria a cruzar o caminho dos brasileiros em 1987, ao eliminar o São Paulo de Careca e Müller e o Guarani de Evair e Ricardo Rocha na Libertadores daquele ano. Mas o do Flamengo, nunca mais. Talvez nem queiram. Ficaram traumatizados com o banho de bola.