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25 anos sem Doval, ídolo argentino de raça, malícia e talento em vermelho e preto

12 quarta-feira out 2016

Posted by Emmanuel do Valle in ídolos

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1969, 1970, 1972, 1973, 1974, 1975, Campeonato Carioca, Doval, Torneio do Povo

doval-fla-1-novaO verão de 1972 em Ipanema se tornaria um marco para a história e a cultura (e a contracultura) da cidade do Rio de Janeiro. Por linhas para lá de tortas, é verdade. Aconteceu que a prefeitura decidiu dividir ao meio a faixa de areia da praia para as escavações necessárias à construção de um emissário submarino, a tubulação de saneamento do bairro da Zona Sul carioca. E para sustentar e firmar essa tubulação foi erguido um monstrengo gigantesco de madeira e ferro apontando bem para dentro do mar: era o chamado “píer” de Ipanema.

A construção do píer provocou duas alterações naturais consideráveis no local: primeiro, a estrutura de madeira sob as águas formava ondas perfeitas para o surfe; e segundo, a areia retirada do local da obra e espalhada para os lados provocou a formação de dunas artificiais. E por trás daquelas dunas – apelidadas “do Barato”, ou “da Gal”, em homenagem à cantora Gal Costa, que vivia por lá – fez-se uma pequena revolução comportamental: em meio a uma fauna de artistas, músicos, jornalistas, poetas, intelectuais, hippies e surfistas, muita música foi composta, grupos de teatro foram criados, modas foram lançadas, gírias se espalharam. Aquela estação seria eternizada como o “Verão do Píer”.

Aquele verão em Ipanema marcaria também o retorno ao Rio de um dos mais famosos frequentadores daquela faixa de areia: o argentino Narciso Horácio Doval, 28 anos completos naquele mês de janeiro, atacante que voltava a integrar o elenco do Flamengo após passagem por empréstimo pelo Huracán de sua terra natal. Daquele período em diante, Doval viveria seus anos mais intensos no futebol carioca, consolidando-se como grande ídolo da massa e verdadeiro personagem da Zona Sul da cidade.

O começo em Boedo e os “Carasucias”

Antes, é claro, muita bola já havia rolado, no Rio e em Buenos Aires. O começo de tudo foi precisamente em Palermo, bairro nobre onde nascera e fora criado, e onde costumava se destacar nas peladas. Chamou a atenção do San Lorenzo, passando às categorias de base do clube e estreando entre os profissionais em 1962, no momento em que o clube de Boedo revelava um ataque demolidor. Alinhavam “El Loco” Doval na ponta-direita, Fernando Areán, Héctor “Bambino” Veira, Victorio Casa e Roberto “Oveja” Telch. Todos com idades entre 17 e 22 anos.

doval-san-lorenzo-2Prontamente apelidados “Los Carasucias” (ou “os cara-sujas”, expressão da época equivalente a “moleques”), jogavam um futebol de técnica refinada combinada à malícia própria da juventude. Os títulos, no entanto, não vieram num primeiro momento. Mas Doval teria seu talento reconhecido em 1967, ano de sua primeira (e, logo se saberia, a única) convocação para a seleção argentina, em agosto daquele ano, para um amistoso contra o Chile em Santiago.

No entanto, o atacante cairia em desgraça num incidente até hoje mal explicado: explodiu contra ele a acusação de ter assediado uma aeromoça durante um voo com o elenco sanlorencista – alguns diriam com a própria seleção. Comenta-se que Doval teria assumido a culpa para livrar a cara de um colega casado do elenco. A punição inicial de um mês de suspensão acabaria passando a dez, depois de Doval se envolver em uma polêmica com o interventor da AFA, enquanto tentava provar sua inocência. Ironicamente, acabaria de fora de toda a campanha do título invicto do clube no Campeonato Metropolitano, quando Los Carasucias acabaram convertidos em Los Matadores.

O “Gringo” aporta na Gávea

doval-chega-1969Treinava aquele San Lorenzo campeão de maneira irretocável o brasileiro Elba de Pádua Lima, o Tim, “El Peón” para os argentinos. Excelente organizador tático e raposa velha do futebol, o técnico deixaria Boedo para retornar ao Brasil assinando com o Flamengo para a temporada 1969. Mesmo com as vagas de estrangeiros do elenco rubro-negro já preenchidas pelo zagueiro uruguaio Manicera e o volante paraguaio Reyes, Tim recomendou outros reforços sul-americanos ao chegar, entre eles Doval. Mas as negociações com “El Loco” só seriam retomadas em abril. No dia 11 daquele mês, o atacante assinaria com o Flamengo.

O jovem Flamengo de Tim vinha oscilando naquele início de Campeonato Carioca, mas pouco depois da entrada de Doval, engatou uma boa sequência de resultados, como um espetacular 3 a 0 diante do Vasco, que o colocaram na briga pelo título contra o Fluminense e o Botafogo. Contra o time de General Severiano, aliás, Doval teria atuação destacada (inclusive marcando o segundo gol) na memorável vitória do Fla por 2 a 1, encerrando um jejum de quatro anos sem derrotar o Alvinegro pelo Estadual. Aquela partida também entrou para a história por um fato curioso: antes do jogo, um grupo de torcedores rubro-negros levara um urubu ao Maracanã, soltando a ave minutos antes da entrada das equipes. O bicho sobrevoou o estádio para o delírio da torcida, encerrando ali a conotação pejorativa do termo pelo qual os torcedores do Flamengo, em sua maioria negros e pobres, costumavam ser chamados pelos rivais.

O time rubro-negro treinado por Tim no Campeonato Carioca de 1969. Em pé: Murilo, Domínguez, Rodrigues Neto, Onça, Guilherme e Paulo Henrique. Agachados: Doval, Liminha, Fio, Dionísio e Arílson.

O time rubro-negro treinado por Tim no Campeonato Carioca de 1969. Em pé: Murilo, Domínguez, Rodrigues Neto, Onça, Guilherme e Paulo Henrique. Agachados: Doval, Liminha, Fio, Dionísio e Arílson.

Aquele time rubro-negro, entretanto, não conquistaria o Carioca, parando diante dos tricolores em um Fla-Flu épico pela penúltima rodada. O Fluminense venceu por 3 a 2, e o caneco tomou o rumo das Laranjeiras. Embora já tivesse conquistado a torcida rubro-negra com inúmeras provas de sua categoria e raça, e contasse com um entusiasta de seu futebol no comando da equipe, Doval veria sua presença entre os titulares tornar-se mais intermitente até o fim daquele ano, já que Tim em vários momentos precisava recorrer aos demais estrangeiros do elenco. E diante da má campanha na Taça Guanabara (na época, um torneio à parte do Estadual) e no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o velho treinador deixaria o clube ao fim daquele ano.

Com Yustrich, atritos frequentes e empréstimo ao Huracán

Se o entendimento entre Doval e Tim era excelente desde os tempos de Boedo, com o novo treinador rubro-negro a história seria completamente diferente: Dorival Knippel, o Yustrich. Homem com fama de truculento, intransigente, centralizador, disciplinador, passional e até agressivo, era para os cartolas do Fla o nome ideal para colocar “na linha” um elenco jovem e tido como um tanto indolente. Com seu esquema apelidado de “cavadinha”, que consistia nos lançamentos em profundidade feitos pelos pontas, além de incessante marcação por pressão na saída de bola do adversário, o time começou o ano de 1970 atropelando: na conquista do Torneio Internacional de Verão, um quadrangular disputado em fevereiro no Rio de Janeiro, o Fla goleou a seleção da Romênia (4 a 1), o Independiente argentino (6 a 1) e bateu o Vasco por 2 a 0 para ficar com o título. Doval balançou as redes três vezes nas duas primeiras partidas.

Mas logo no início da Taça Guanabara – mais uma vez disputada como torneio à parte, e durante todo o primeiro semestre – os atritos entre o técnico e o atacante desatariam. Doval reclamava que o esquema o transformava num lateral, resumindo-se a cumprir funções táticas de maneira burocrática, quando o que queria na verdade era jogar solto, para desenvolver melhor seu futebol intuitivo. E, para piorar, era frequentemente substituído por Yustrich durante os jogos, dando lugar a jogadores bem menos brilhantes, mas mais disciplinados. Assim, o Gringo oscilou durante a longa disputa do torneio, entrando e saindo do time, mas afinal ajudando na conquista do título, após empate em 1 a 1 com o Fluminense em 31 de maio daquele ano.

No segundo semestre, após a Copa do México, viria o Estadual. Foi aí que a tensão chegou a seu primeiro auge: “Yustrich está matando meu futebol”, vociferou o argentino em entrevista à Placar. E a perseguição do treinador, segundo ele, extrapolava o campo: “Yustrich se mete na vida de todo mundo. Eu sei que ele não gosta do meu cabelo, das minhas roupas coloridas e do meu carro cor de laranja. E ninguém pode namorar”, escancarou. Sacado do time, Doval viu o Flamengo estagnar no Carioca após um bom começo e terminar apenas na quinta colocação. Um breve momento de trégua com Yustrich veio durante o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, quando, diferentemente dos anos anteriores, o Rubro-Negro cumpriu excelente campanha, brigando até o fim pela classificação, mas acabando de fora do quadrangular final após uma derrota para o Corinthians no Pacaembu na última partida, perdendo a vaga no saldo de gols.

No fim de março de 1971, como já se recusasse deliberadamente a obedecer às ordens do treinador – que o tachara de “doente mental” pelo jeito considerado indisciplinado –, Doval pediu para ser negociado e acabou emprestado ao Huracán, que montava um bom time, até o fim daquele ano.

Os melhores anos

doval-placar-1Com o fim do empréstimo, Doval retorna ao Flamengo e assina novo contrato em 17 de janeiro de 1972, realizando um sonho: com o dinheiro das luvas, compra um apartamento na rua Visconde de Pirajá, próximo à praça General Osório, em Ipanema. Agora oficialmente morador do bairro, estava completamente integrado à vizinhança. Esbanjando carisma e irreverência, era o argentino mais carioca de todos. Saía dos treinos na Gávea direto para a praia, onde jogava vôlei (e uma nova modalidade recém-criada, o futevôlei), bebia seu chope no tradicional bar Veloso, corria com os amigos Marcos e Paulo Sérgio Valle – os irmãos compositores de “Samba de Verão”, sucesso internacional, e outras canções clássicas da música popular brasileira – e aproveitava para dedicar-se a sua outra grande paixão: as mulheres.

doval-ipanema-2Loiro, olhos azuis e agora novamente de cabelos compridos e esvoaçantes (já que se livrara de Yustrich), Doval fazia o tipo galã. O ponto da praia em que ele e os irmãos Valle – o apelidado Trio Colírio – se encontravam recebia um séquito de garotas de toda a Zona Sul, fãs e tietes do atacante argentino. Emérito paquerador e sedutor incorrigível, Doval estava em casa: “Gosto muito de duas coisas nesse mundo: mulheres e praia. Sou louco por uma praia e gosto, mas gosto mesmo, de mulheres”, confessava à revista Placar.

Feliz por estar de volta a tudo o que amava, Doval só poderia retribuir em campo. Começaria naquele ano a fase em que se converteria definitivamente em ídolo, amado pela torcida do Flamengo e respeitado pelas adversárias, admirado pelos companheiros e temido pelos zagueiros. Era um atacante de muita qualidade técnica, mas era pela raça, garra e valentia que se destacava. Poderia jogar aberto pela ponta-direita ou dentro da área, onde preferia, como centroavante ou ponta-de-lança. Nunca se omitia. Não raro, deixava o campo com a camisa ensanguentada. Apanhava dos beques, mas batia de volta. Prendia a bola na frente, segurava a defesa. Catimbava e cavava faltas, mostrando que aprendera bem seu ofício em Boedo. E quando balançava as redes, corria em direção à geral do Maracanã, para receber o carinho da massa.

doval-fla-2O bom elenco reunido pelo Flamengo naquele ano também ajudou na recuperação de seu futebol. Agora treinado por Zagallo, o clube da Gávea havia se reforçado com o meia-atacante Paulo César Caju (contratado do Botafogo), o goleiro Renato (ex-Atlético-MG) e o volante Zé Mário (vindo do Bonsucesso). Além disso, a classe e a segurança de Reyes na zaga, a afirmação de jogadores como Liminha, Arílson e Rodrigues Neto, a recuperação física de Zanata e a boa fase de Caio eram notícias animadoras.

Assim, o time que já havia levantado outro Torneio Internacional de Verão (este, contra o Benfica – no jogo do gol de placa e de música de Fio “Maravilha” – e o Vasco), contou agora com atuações espetaculares do “Diabo Loiro” para conquistar também o Torneio do Povo, derrotando o Corinthians no Pacaembu, o Bahia na Fonte Nova, o Atlético-MG no Maracanã e empatando com o Internacional, também no Rio.

Em seguida viriam os títulos da Taça Guanabara – disputada pela primeira vez como o turno de abertura do Estadual e vencida com goleada de 5 a 2 sobre o Fluminense – e, já em setembro, do Campeonato Carioca, novamente com vitória sobre o Tricolor, desta vez por 2 a 1. Coube a Doval a abertura do placar, subindo mais que toda a defesa do Flu para marcar de cabeça. Aquele seria o 16º gol do argentino na competição, o que lhe daria a inédita artilharia do torneio.

Em 1973, é promovido de vez ao elenco profissional do Flamengo um garoto que Zagallo havia deixado quase todo o ano anterior na equipe de juvenis para completar sua formação. Um jovem chamado Zico, que será por vezes escalado como meia-armador, mas na maior parte do tempo passará a temporada como reserva imediato de Doval, tanto na ponta-direita quanto na ponta-de-lança. Enquanto isso, o Gringo mantinha a grande fase, agora tendo Dario, o Dadá Maravilha, como parceiro pelo centro do ataque numa tabelinha que virou música. No entanto, uma torção em um dos joelhos o tirou das partidas finais do Campeonato Carioca, conquistado pelo Fluminense. No fim do ano, porém, teria a honra de participar do jogo de despedida de Garrincha – com quem convivera brevemente quando o ponta defendeu o Flamengo, em fim de carreira em 1969. Naquele 19 de dezembro, Doval fez parte do combinado estrangeiro que enfrentou uma Seleção Brasileira reforçada pelo velho Mané.

doval-placar-2Uma verdadeira novela para a renovação de seu contrato com o Flamengo, firmada somente em 6 de abril, deixou Doval inativo pelos três primeiros meses do ano de 1974. Essa dificuldade e uma distensão na coxa direita sofrida no jogo contra o Grêmio no Maracanã pelo Campeonato Brasileiro impediram uma participação maior do argentino na boa campanha rubro-negra naquele torneio. Nas dez partidas em que esteve em campo, no entanto, teve boas atuações fazendo dupla de frente com Zico e marcou cinco gols. Mas aquele rejuvenescido Flamengo dirigido por Joubert prometia. E no Campeonato Carioca, no segundo semestre, já com Doval totalmente recuperado, a equipe embalou rumo ao título. O “Diabo Loiro” ficou de fora de apenas quatro das 27 partidas do Flamengo (coincidentemente, uma delas foi justamente a decisão contra o Vasco) e marcou dez gols, tornando-se o vice-artilheiro da equipe, atrás apenas de Zico, a grande revelação do futebol brasileiro naquele ano.

Outro jogador que surgiu como sensação em 1974 acabaria indo parar na Gávea em abril do ano seguinte: o centroavante Luisinho Lemos, do America, artilheiro do Carioca com 20 gols (um a mais que Zico) e que já havia feito outros 15 no Brasileiro (superado em apenas um pelo vascaíno Roberto Dinamite). Em tese, o trio parecia irresistível. Na prática, no entanto, não foi bem assim. Doval, contra sua vontade, acabaria deslocado para a ponta-direita para abrir espaço para o recém-contratado no comando do ataque.

Resultado: insatisfeito em jogar numa posição que não favorecia seu estilo de jogo, de brigar entre os beques, o Gringo não rendia o mesmo da temporada anterior, exceto em ocasiões esporádicas quando retornava ao centro do ataque. E pior: ansioso para mostrar a que tinha vindo, Luisinho se afobava nas finalizações. Só Zico manteve o nível, marcando espantosos 30 gols no Carioca, o novo recorde do torneio na Era Maracanã. Mas o Fla tropeçou em momentos decisivos, não venceu nenhum dos turnos e ficou fora das finais, irremediavelmente. Sem conseguir dar padrão ao trio, Joubert acabaria demitido no início do Brasileiro.

doval-1975Virando a casaca

O novo técnico rubro-negro, o gaúcho Carlos Froner, não melhoraria a situação de Doval no time. Mantido na ponta, o atacante acabou lesionando o pé num jogo do Brasileiro e teve recuperação demorada, voltando aos poucos, apenas nos últimos jogos. E ao fim daquele ano viria a negociação que sacudiu o futebol carioca. Pelo menos desde maio de 1975 já se especulava sobre o interesse do Fluminense em Doval. Em outubro, já se falava na possibilidade de troca por empréstimo ou em definitivo de Doval pelo ponta-esquerda tricolor Zé Roberto.

Aos 31, quase 32 anos, o Gringo era considerado velho pelos dirigentes rubro-negros – mas seguia como ídolo maior da torcida, no mínimo em igualdade com o ascendente e prata da casa Zico. E em 19 de dezembro, após jantar entre os presidentes Hélio Maurício, do Fla, e Francisco Horta, do Flu, a troca três por três era acertada: Doval mais o goleiro Renato e o lateral-esquerdo Rodrigues Neto iriam para as Laranjeiras, enquanto o goleiro Roberto, o lateral-direito Toninho e o já sondado Zé Roberto seguiriam para a Gávea.

A princípio, naquele momento, ambas as torcidas reprovaram as trocas. Os tricolores reclamavam da idade avançada dos jogadores vindos do Rubro-Negro, especialmente em comparação com os que saíam. Já os flamenguistas protestavam afirmando que haviam cedido seu maior ídolo e dois jogadores com passagem pela Seleção a troco de outros que, embora tratados como promessas, nunca chegaram a se firmar nas Laranjeiras – a exceção era Toninho. O tempo mostraria que a torcida do Flamengo era a que tinha razão em seu protesto.

Doval jogaria por três anos no Fluminense, retornando ao San Lorenzo – então passando por uma de suas piores fases – em 1979, e em seguida encerraria sua carreira atuando no incipiente futebol dos Estados Unidos. Depois de pendurar as chuteiras, voltou a viver em seu país, mas sempre manteve contato com o Rio de Janeiro e com o Flamengo, inclusive indicando jogadores argentinos e observando adversários. Em 9 de outubro de 1991, o time rubro-negro foi a Buenos Aires enfrentar o Estudiantes pela extinta Supercopa, em partida realizada no estádio do Huracán. Antes do jogo, vencido pelo Fla por 2 a 0, Doval visitou a delegação, abraçou velhos conhecidos, reafirmou sua paixão pelo clube e contou histórias. Três dias depois, conquistava em campo, defendendo o Flamengo, um torneio de futebol de masters realizado na capital argentina. Saindo da comemoração do título numa boate portenha, sofreu um ataque cardíaco e morreu. Tinha 47 anos.

Seu nome, entretanto, já estava eternizado na história do futebol e da cidade do Rio de Janeiro. É até hoje, por exemplo, o maior goleador estrangeiro do Flamengo, com 94 gols. O “argentino mais carioca”, que chegou a se naturalizar brasileiro em 1976, apesar de sempre arranhar um portunhol nas entrevistas e no dia a dia, virou lenda do Maracanã, ídolo da galera rubro-negra e personagem de Ipanema. Falecido há exatos 25 anos, está vivo na memória dos amigos, em suas histórias impagáveis, e na dos torcedores, pela bola cheia de raça e técnica.

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Os Meninos da Gávea

22 segunda-feira dez 2014

Posted by Emmanuel do Valle in títulos

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1974, Campeonato Carioca, Geraldo, Júnior, Joubert, Zico

flamengo 1974

O Flamengo da decisão contra o Vasco, há exatos 40 anos. Em pé: Renato, Junior, Jaime, Luis Carlos, Zé Mário e Rodrigues Neto. Agachados: o massagista João Carlos, Paulinho, Geraldo, Edson, Zico e Julinho.

PRÓLOGO ou E AÍ, CHEFIA? QUEM VAI SER O CAMPEÃO?

“Então, chegamos aos finalmentes desse Campeonato Carioca de 1974. O último do estado da Guanabara, aliás, já que vira tudo Rio de Janeiro no ano seguinte. Temos aí esses três times que chegaram ao triangular final: America, Vasco e Flamengo, os papões dos turnos.

De fora ficou o Fluminense, comandado em campo por um veterano Gerson e no banco por um quase novato Carlos Alberto Parreira. O Botafogo do Zagallo, sem Jairzinho e sem nunca ter nem ameaçado brigar por algum dos turnos. E os pequenos, que fazem um brilhareco ou outro aqui e ali, mas sempre sobram na hora de comer o filé.

O America é o time mais comentado. Joga o fino da bola. O melhor deles, desde o último título, em 1960. Talvez até mais técnico. Mas se é estilista demais, cheio de tico-tico-no-fubá, às vezes se perde na hora de decidir. Ganhou a Taça Guanabara, mas ficou de vice no segundo e terceiro turnos. Tem Edu, Bráulio, Ivo, Orlando Lelé, Alex, Flecha, esse menino Luisinho, que periga ser o artilheiro do ano. Danilo Alvim, que sabia tudo de bola, é o técnico.

Depois vem o Vasco. ‘Só‘ o campeão brasileiro. Time tarimbado, cascudo, taí. Miguel e Moisés, zaga quase intransponível. Se a bola passa, o atacante fica. E ainda Fidélis, Andrada, Luís Carlos, Alcir, Alfinete, Zanata, esse menino Roberto, que também tá na briga entre os fazedores de gol. Mário Travaglini, paulistano, campeão aqui e lá na terra dele, é o treinador.

E então tem o Flamengo. Que botou pra quebrar na primeira fase do Brasileiro, mas faltou cancha na hora de decidir. Que só se garantiu nesse triangular do Carioca no último pio da coruja, ganhando um terceiro turno quase perdido, depois que deu aquela vacilada caindo pro Bonsucesso de 2 a 1 dentro do Maracanã. O problema do Flamengo, dizem, é que botou pra fora os medalhões, Paulo César Caju, Dario, Chiquinho Pastor, Rogério, Afonsinho, Zagallo, tudo homem de Seleção. Será? De experiente, ficou só um ou outro, tipo o Liminha e o Doval. E a molecada. Mais parece um berçário esse time do Joubert.

joubert - reduzida

Joubert, ex-lateral e agora comandante da meninada rubro-negra no Campeonato Carioca de 1974.

Dizem também que os cartolas lá da Gávea andaram marcando bobeira, tirando o bicho de empate contra os pequenos, que ficaram mordidos. Por isso tanto tropeço em jogo bobo, derrota pro Madureira, pro Bonsucesso, empate com o Bonsucesso, com o Bangu, com o Campo Grande (duas vezes). Agora acabaram com esse papo porque só tem grande. E contra grande, o Flamengo andou fazendo o dele. Mas e essa molecada? Será que vai? Sei não…”

DE SAÍDA, FLAMENGO X AMERICA

“Uma semana depois da decisão do terceiro turno, os dois times estão de volta ao Maracanã. Da última vez deu Mengo 2 a 1, de virada, com um gol do meio da rua desse menino Junior, o lateral-direito que o Flamengo puxou dos juvenis já no terceiro turno, depois que nem o Aloísio nem o Humberto Monteiro acertaram por ali.

E desta vez, dá quase tudo igual, exceto a virada. o Fla abre a contagem com Jaime, zagueiro, outro menino, depois de um bololô na área na cobrança de córner. Depois, ah, depois… Depois o menino Junior senta o sapato de novo do meio da rua. Só que dessa vez com classe. O time do America parou reclamando de qualquer coisa que nem eles mesmos sabem explicar, um bate-boca entre eles, e a bola saindo do pé do Junior, encobrindo sem dó nem piedade o goleiro americano Rogério.

Outra vez. Que coisa, não? Eles até descontaram depois com o Manoel, atacante que saiu do banco. Mas parou nos 2 a 1 mesmo. A péssima foi perder o Doval logo no início. Foi dividir uma bola com o Alex e os dois se machucaram. Estão fora. Mas tá o Flamengo na briga!”

SÓ ESPIANDO: VASCO X AMERICA

“Na quarta à noite, o America joga suas últimas castanhas contra o Vasco, que, por sua vez, quer vencer bem para não chegar em desvantagem para pegar o Flamengo no domingo. O Vasco sai na frente, mesmo jogando pior; o America empata; depois o Jorginho Carvoeiro leva a bola no braço, é derrubado pelo Mareco na área e o Arnaldo dá o pênalti e não a falta no início da jogada. Bola na cal, bola na rede. Vasco 2 a 1. Mas aí, só de sacanagem, o America prega uma peça no fim com o Edu, aos 38 do segundo tempo. Dois a dois. E o Fla joga pelo empate.”

A HORA DO ‘VAMOS VER’: FLAMENGO X VASCO

“Maracanã explodindo de gente nesse 22 de dezembro. São mais de 165 mil pessoas lá dentro. Tensão a mil. Só não bateu recorde de público porque faltou ingresso. E porque a Adeg abriu os portões assim que a bola começou a rolar. Mas bateu o de renda.

Entra no gramado uma garotinha com a faixa ‘Flamengo deseja Feliz Natal’. Entra o Flamengo, entra o Vasco. Os dois times escalados. O Vasco praticamente o mesmo da final do Brasileiro, só trocou o Ademir pelo Galdino aberto na ponta-esquerda. E o Flamengo vem como pode. Sem Liminha, sem Doval. E com Paulinho, 22 anos. Zico, Jaime e Julinho, 21 anos. Edson e Junior, 20 anos. Geraldo, esse menino que jogou uma enormidade contra o America, 18 anos (DEZOITO anos!).

Bola rolando, Vasco precisando de gol, mas só dá Flamengo, que chega primeiro em todas as divididas. Lá vai Zico – esse menino bom de bola, craque do Brasileiro de 74 e que esse ano já bateu o recorde de gols do Dida em uma temporada. Dribla um, dribla dois, entra na área, dá um toque tirando do Andrada, gol aberto, vai entrando… mas aparece o Alfinete, em cima da linha, pra cortar. Quase fez contra, na verdade. Mas aí o Vasco teve sorte.

flamengo 1974 - zico

Zico chuta, a bola vence Andrada, mas Alfinete vai tirar em cima da linha. Por pouco não saiu o zero do placar.

O Fla dá uma esfriada, o Vasco tenta apertar porque precisa. Mas aí só dá a defesa do Flamengo. Junior bota no bolso o Galdino. Do outro lado, em cima de Rodrigues Neto, Jorginho Carvoeiro não se cria. E não tem pra Miguel nem pra Moisés. Xerifes em campo mesmo são o Jaime e o Luis Carlos. Sempre muito sério, esse becão que os cartolas do Mengo foram buscar lá no Corinthians pra empunhar a braçadeira.

Sem falar em Zé Mario, o dono do meio-campo. Manda prender e manda soltar, o baixinho gigante da cabeça-de-área do Mengão. Tá em todo lugar, correndo, marcando, fechando a porta pros vascaínos. E quando, por algum motivo, eles conseguem chegar, aparece o Renato pra espalmar.

O tempo vai passando, o Vasco não consegue fazer o seu, é um desespero pelos lados da Colina, o Flamengo perde um, dois contra-ataques, perde um lance inacreditável com esse menino Ivanir (21 anos cravados, entrou no lugar do Julinho, 21 anos e três meses – o banco do Fla é mais moleque ainda), com o Andrada saindo da área, mas se recuperando pra cortar de carrinho o cruzamento. Que sufoco, gente boa.

E enfim, quando a tensão nos 200 mil é quase insuportável, vem o apito. Fim de papo, a molecada do Fla é campeã carioca. Tem faixa, volta olímpica, entrevista pra rádio, Doval – que mesmo de fora fez questão de ver o jogo do túnel – abraça Rodrigues Neto, e coisa e tal.

No jornal de segunda-feira teve um ou outro bacana aí que não gostou do jogo, achou o Mengo muito defensivo, o Vasco decepcionante na hora de atacar e não sei mais o quê. Mas peraí, irmão. Quem é que precisava ganhar a todo custo? E quem é que era o cascudo, o malandrão, o que pra ganhar bastaria o Moisés falar grosso e bater o pé no chão que a meninada do outro lado ia tremer toda e fugir assustada? Era o Flamengo?

Não, não, irmão. Tá certo isso não. Isso é coisa de quem cravou Vasco seco no bolão, certo de que os experientes lá da Colina papariam fácil essa meninada da Gávea, e agora fica aí resmungando pela graninha que bateu asas. Mas futebol não é assim, não. O Flamengo entrou com muito mais fome de bola e levou a taça. E escreve o que eu tô te dizendo: esses garotos aí, Zico, Junior, Geraldo, tudo moleque de personalidade. Esses aí vão dar muitas alegrias pro povão rubro-negro. Papo garantido, que eu não costumo errar. Falei e disse.”

(Zé do Mengão, 35 anos, morador do Méier, chofer de praça e cronista esportivo nas horas vagas)

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