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25 anos sem Doval, ídolo argentino de raça, malícia e talento em vermelho e preto

12 quarta-feira out 2016

Posted by Emmanuel do Valle in ídolos

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1969, 1970, 1972, 1973, 1974, 1975, Campeonato Carioca, Doval, Torneio do Povo

doval-fla-1-novaO verão de 1972 em Ipanema se tornaria um marco para a história e a cultura (e a contracultura) da cidade do Rio de Janeiro. Por linhas para lá de tortas, é verdade. Aconteceu que a prefeitura decidiu dividir ao meio a faixa de areia da praia para as escavações necessárias à construção de um emissário submarino, a tubulação de saneamento do bairro da Zona Sul carioca. E para sustentar e firmar essa tubulação foi erguido um monstrengo gigantesco de madeira e ferro apontando bem para dentro do mar: era o chamado “píer” de Ipanema.

A construção do píer provocou duas alterações naturais consideráveis no local: primeiro, a estrutura de madeira sob as águas formava ondas perfeitas para o surfe; e segundo, a areia retirada do local da obra e espalhada para os lados provocou a formação de dunas artificiais. E por trás daquelas dunas – apelidadas “do Barato”, ou “da Gal”, em homenagem à cantora Gal Costa, que vivia por lá – fez-se uma pequena revolução comportamental: em meio a uma fauna de artistas, músicos, jornalistas, poetas, intelectuais, hippies e surfistas, muita música foi composta, grupos de teatro foram criados, modas foram lançadas, gírias se espalharam. Aquela estação seria eternizada como o “Verão do Píer”.

Aquele verão em Ipanema marcaria também o retorno ao Rio de um dos mais famosos frequentadores daquela faixa de areia: o argentino Narciso Horácio Doval, 28 anos completos naquele mês de janeiro, atacante que voltava a integrar o elenco do Flamengo após passagem por empréstimo pelo Huracán de sua terra natal. Daquele período em diante, Doval viveria seus anos mais intensos no futebol carioca, consolidando-se como grande ídolo da massa e verdadeiro personagem da Zona Sul da cidade.

O começo em Boedo e os “Carasucias”

Antes, é claro, muita bola já havia rolado, no Rio e em Buenos Aires. O começo de tudo foi precisamente em Palermo, bairro nobre onde nascera e fora criado, e onde costumava se destacar nas peladas. Chamou a atenção do San Lorenzo, passando às categorias de base do clube e estreando entre os profissionais em 1962, no momento em que o clube de Boedo revelava um ataque demolidor. Alinhavam “El Loco” Doval na ponta-direita, Fernando Areán, Héctor “Bambino” Veira, Victorio Casa e Roberto “Oveja” Telch. Todos com idades entre 17 e 22 anos.

doval-san-lorenzo-2Prontamente apelidados “Los Carasucias” (ou “os cara-sujas”, expressão da época equivalente a “moleques”), jogavam um futebol de técnica refinada combinada à malícia própria da juventude. Os títulos, no entanto, não vieram num primeiro momento. Mas Doval teria seu talento reconhecido em 1967, ano de sua primeira (e, logo se saberia, a única) convocação para a seleção argentina, em agosto daquele ano, para um amistoso contra o Chile em Santiago.

No entanto, o atacante cairia em desgraça num incidente até hoje mal explicado: explodiu contra ele a acusação de ter assediado uma aeromoça durante um voo com o elenco sanlorencista – alguns diriam com a própria seleção. Comenta-se que Doval teria assumido a culpa para livrar a cara de um colega casado do elenco. A punição inicial de um mês de suspensão acabaria passando a dez, depois de Doval se envolver em uma polêmica com o interventor da AFA, enquanto tentava provar sua inocência. Ironicamente, acabaria de fora de toda a campanha do título invicto do clube no Campeonato Metropolitano, quando Los Carasucias acabaram convertidos em Los Matadores.

O “Gringo” aporta na Gávea

doval-chega-1969Treinava aquele San Lorenzo campeão de maneira irretocável o brasileiro Elba de Pádua Lima, o Tim, “El Peón” para os argentinos. Excelente organizador tático e raposa velha do futebol, o técnico deixaria Boedo para retornar ao Brasil assinando com o Flamengo para a temporada 1969. Mesmo com as vagas de estrangeiros do elenco rubro-negro já preenchidas pelo zagueiro uruguaio Manicera e o volante paraguaio Reyes, Tim recomendou outros reforços sul-americanos ao chegar, entre eles Doval. Mas as negociações com “El Loco” só seriam retomadas em abril. No dia 11 daquele mês, o atacante assinaria com o Flamengo.

O jovem Flamengo de Tim vinha oscilando naquele início de Campeonato Carioca, mas pouco depois da entrada de Doval, engatou uma boa sequência de resultados, como um espetacular 3 a 0 diante do Vasco, que o colocaram na briga pelo título contra o Fluminense e o Botafogo. Contra o time de General Severiano, aliás, Doval teria atuação destacada (inclusive marcando o segundo gol) na memorável vitória do Fla por 2 a 1, encerrando um jejum de quatro anos sem derrotar o Alvinegro pelo Estadual. Aquela partida também entrou para a história por um fato curioso: antes do jogo, um grupo de torcedores rubro-negros levara um urubu ao Maracanã, soltando a ave minutos antes da entrada das equipes. O bicho sobrevoou o estádio para o delírio da torcida, encerrando ali a conotação pejorativa do termo pelo qual os torcedores do Flamengo, em sua maioria negros e pobres, costumavam ser chamados pelos rivais.

O time rubro-negro treinado por Tim no Campeonato Carioca de 1969. Em pé: Murilo, Domínguez, Rodrigues Neto, Onça, Guilherme e Paulo Henrique. Agachados: Doval, Liminha, Fio, Dionísio e Arílson.

O time rubro-negro treinado por Tim no Campeonato Carioca de 1969. Em pé: Murilo, Domínguez, Rodrigues Neto, Onça, Guilherme e Paulo Henrique. Agachados: Doval, Liminha, Fio, Dionísio e Arílson.

Aquele time rubro-negro, entretanto, não conquistaria o Carioca, parando diante dos tricolores em um Fla-Flu épico pela penúltima rodada. O Fluminense venceu por 3 a 2, e o caneco tomou o rumo das Laranjeiras. Embora já tivesse conquistado a torcida rubro-negra com inúmeras provas de sua categoria e raça, e contasse com um entusiasta de seu futebol no comando da equipe, Doval veria sua presença entre os titulares tornar-se mais intermitente até o fim daquele ano, já que Tim em vários momentos precisava recorrer aos demais estrangeiros do elenco. E diante da má campanha na Taça Guanabara (na época, um torneio à parte do Estadual) e no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o velho treinador deixaria o clube ao fim daquele ano.

Com Yustrich, atritos frequentes e empréstimo ao Huracán

Se o entendimento entre Doval e Tim era excelente desde os tempos de Boedo, com o novo treinador rubro-negro a história seria completamente diferente: Dorival Knippel, o Yustrich. Homem com fama de truculento, intransigente, centralizador, disciplinador, passional e até agressivo, era para os cartolas do Fla o nome ideal para colocar “na linha” um elenco jovem e tido como um tanto indolente. Com seu esquema apelidado de “cavadinha”, que consistia nos lançamentos em profundidade feitos pelos pontas, além de incessante marcação por pressão na saída de bola do adversário, o time começou o ano de 1970 atropelando: na conquista do Torneio Internacional de Verão, um quadrangular disputado em fevereiro no Rio de Janeiro, o Fla goleou a seleção da Romênia (4 a 1), o Independiente argentino (6 a 1) e bateu o Vasco por 2 a 0 para ficar com o título. Doval balançou as redes três vezes nas duas primeiras partidas.

Mas logo no início da Taça Guanabara – mais uma vez disputada como torneio à parte, e durante todo o primeiro semestre – os atritos entre o técnico e o atacante desatariam. Doval reclamava que o esquema o transformava num lateral, resumindo-se a cumprir funções táticas de maneira burocrática, quando o que queria na verdade era jogar solto, para desenvolver melhor seu futebol intuitivo. E, para piorar, era frequentemente substituído por Yustrich durante os jogos, dando lugar a jogadores bem menos brilhantes, mas mais disciplinados. Assim, o Gringo oscilou durante a longa disputa do torneio, entrando e saindo do time, mas afinal ajudando na conquista do título, após empate em 1 a 1 com o Fluminense em 31 de maio daquele ano.

No segundo semestre, após a Copa do México, viria o Estadual. Foi aí que a tensão chegou a seu primeiro auge: “Yustrich está matando meu futebol”, vociferou o argentino em entrevista à Placar. E a perseguição do treinador, segundo ele, extrapolava o campo: “Yustrich se mete na vida de todo mundo. Eu sei que ele não gosta do meu cabelo, das minhas roupas coloridas e do meu carro cor de laranja. E ninguém pode namorar”, escancarou. Sacado do time, Doval viu o Flamengo estagnar no Carioca após um bom começo e terminar apenas na quinta colocação. Um breve momento de trégua com Yustrich veio durante o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, quando, diferentemente dos anos anteriores, o Rubro-Negro cumpriu excelente campanha, brigando até o fim pela classificação, mas acabando de fora do quadrangular final após uma derrota para o Corinthians no Pacaembu na última partida, perdendo a vaga no saldo de gols.

No fim de março de 1971, como já se recusasse deliberadamente a obedecer às ordens do treinador – que o tachara de “doente mental” pelo jeito considerado indisciplinado –, Doval pediu para ser negociado e acabou emprestado ao Huracán, que montava um bom time, até o fim daquele ano.

Os melhores anos

doval-placar-1Com o fim do empréstimo, Doval retorna ao Flamengo e assina novo contrato em 17 de janeiro de 1972, realizando um sonho: com o dinheiro das luvas, compra um apartamento na rua Visconde de Pirajá, próximo à praça General Osório, em Ipanema. Agora oficialmente morador do bairro, estava completamente integrado à vizinhança. Esbanjando carisma e irreverência, era o argentino mais carioca de todos. Saía dos treinos na Gávea direto para a praia, onde jogava vôlei (e uma nova modalidade recém-criada, o futevôlei), bebia seu chope no tradicional bar Veloso, corria com os amigos Marcos e Paulo Sérgio Valle – os irmãos compositores de “Samba de Verão”, sucesso internacional, e outras canções clássicas da música popular brasileira – e aproveitava para dedicar-se a sua outra grande paixão: as mulheres.

doval-ipanema-2Loiro, olhos azuis e agora novamente de cabelos compridos e esvoaçantes (já que se livrara de Yustrich), Doval fazia o tipo galã. O ponto da praia em que ele e os irmãos Valle – o apelidado Trio Colírio – se encontravam recebia um séquito de garotas de toda a Zona Sul, fãs e tietes do atacante argentino. Emérito paquerador e sedutor incorrigível, Doval estava em casa: “Gosto muito de duas coisas nesse mundo: mulheres e praia. Sou louco por uma praia e gosto, mas gosto mesmo, de mulheres”, confessava à revista Placar.

Feliz por estar de volta a tudo o que amava, Doval só poderia retribuir em campo. Começaria naquele ano a fase em que se converteria definitivamente em ídolo, amado pela torcida do Flamengo e respeitado pelas adversárias, admirado pelos companheiros e temido pelos zagueiros. Era um atacante de muita qualidade técnica, mas era pela raça, garra e valentia que se destacava. Poderia jogar aberto pela ponta-direita ou dentro da área, onde preferia, como centroavante ou ponta-de-lança. Nunca se omitia. Não raro, deixava o campo com a camisa ensanguentada. Apanhava dos beques, mas batia de volta. Prendia a bola na frente, segurava a defesa. Catimbava e cavava faltas, mostrando que aprendera bem seu ofício em Boedo. E quando balançava as redes, corria em direção à geral do Maracanã, para receber o carinho da massa.

doval-fla-2O bom elenco reunido pelo Flamengo naquele ano também ajudou na recuperação de seu futebol. Agora treinado por Zagallo, o clube da Gávea havia se reforçado com o meia-atacante Paulo César Caju (contratado do Botafogo), o goleiro Renato (ex-Atlético-MG) e o volante Zé Mário (vindo do Bonsucesso). Além disso, a classe e a segurança de Reyes na zaga, a afirmação de jogadores como Liminha, Arílson e Rodrigues Neto, a recuperação física de Zanata e a boa fase de Caio eram notícias animadoras.

Assim, o time que já havia levantado outro Torneio Internacional de Verão (este, contra o Benfica – no jogo do gol de placa e de música de Fio “Maravilha” – e o Vasco), contou agora com atuações espetaculares do “Diabo Loiro” para conquistar também o Torneio do Povo, derrotando o Corinthians no Pacaembu, o Bahia na Fonte Nova, o Atlético-MG no Maracanã e empatando com o Internacional, também no Rio.

Em seguida viriam os títulos da Taça Guanabara – disputada pela primeira vez como o turno de abertura do Estadual e vencida com goleada de 5 a 2 sobre o Fluminense – e, já em setembro, do Campeonato Carioca, novamente com vitória sobre o Tricolor, desta vez por 2 a 1. Coube a Doval a abertura do placar, subindo mais que toda a defesa do Flu para marcar de cabeça. Aquele seria o 16º gol do argentino na competição, o que lhe daria a inédita artilharia do torneio.

Em 1973, é promovido de vez ao elenco profissional do Flamengo um garoto que Zagallo havia deixado quase todo o ano anterior na equipe de juvenis para completar sua formação. Um jovem chamado Zico, que será por vezes escalado como meia-armador, mas na maior parte do tempo passará a temporada como reserva imediato de Doval, tanto na ponta-direita quanto na ponta-de-lança. Enquanto isso, o Gringo mantinha a grande fase, agora tendo Dario, o Dadá Maravilha, como parceiro pelo centro do ataque numa tabelinha que virou música. No entanto, uma torção em um dos joelhos o tirou das partidas finais do Campeonato Carioca, conquistado pelo Fluminense. No fim do ano, porém, teria a honra de participar do jogo de despedida de Garrincha – com quem convivera brevemente quando o ponta defendeu o Flamengo, em fim de carreira em 1969. Naquele 19 de dezembro, Doval fez parte do combinado estrangeiro que enfrentou uma Seleção Brasileira reforçada pelo velho Mané.

doval-placar-2Uma verdadeira novela para a renovação de seu contrato com o Flamengo, firmada somente em 6 de abril, deixou Doval inativo pelos três primeiros meses do ano de 1974. Essa dificuldade e uma distensão na coxa direita sofrida no jogo contra o Grêmio no Maracanã pelo Campeonato Brasileiro impediram uma participação maior do argentino na boa campanha rubro-negra naquele torneio. Nas dez partidas em que esteve em campo, no entanto, teve boas atuações fazendo dupla de frente com Zico e marcou cinco gols. Mas aquele rejuvenescido Flamengo dirigido por Joubert prometia. E no Campeonato Carioca, no segundo semestre, já com Doval totalmente recuperado, a equipe embalou rumo ao título. O “Diabo Loiro” ficou de fora de apenas quatro das 27 partidas do Flamengo (coincidentemente, uma delas foi justamente a decisão contra o Vasco) e marcou dez gols, tornando-se o vice-artilheiro da equipe, atrás apenas de Zico, a grande revelação do futebol brasileiro naquele ano.

Outro jogador que surgiu como sensação em 1974 acabaria indo parar na Gávea em abril do ano seguinte: o centroavante Luisinho Lemos, do America, artilheiro do Carioca com 20 gols (um a mais que Zico) e que já havia feito outros 15 no Brasileiro (superado em apenas um pelo vascaíno Roberto Dinamite). Em tese, o trio parecia irresistível. Na prática, no entanto, não foi bem assim. Doval, contra sua vontade, acabaria deslocado para a ponta-direita para abrir espaço para o recém-contratado no comando do ataque.

Resultado: insatisfeito em jogar numa posição que não favorecia seu estilo de jogo, de brigar entre os beques, o Gringo não rendia o mesmo da temporada anterior, exceto em ocasiões esporádicas quando retornava ao centro do ataque. E pior: ansioso para mostrar a que tinha vindo, Luisinho se afobava nas finalizações. Só Zico manteve o nível, marcando espantosos 30 gols no Carioca, o novo recorde do torneio na Era Maracanã. Mas o Fla tropeçou em momentos decisivos, não venceu nenhum dos turnos e ficou fora das finais, irremediavelmente. Sem conseguir dar padrão ao trio, Joubert acabaria demitido no início do Brasileiro.

doval-1975Virando a casaca

O novo técnico rubro-negro, o gaúcho Carlos Froner, não melhoraria a situação de Doval no time. Mantido na ponta, o atacante acabou lesionando o pé num jogo do Brasileiro e teve recuperação demorada, voltando aos poucos, apenas nos últimos jogos. E ao fim daquele ano viria a negociação que sacudiu o futebol carioca. Pelo menos desde maio de 1975 já se especulava sobre o interesse do Fluminense em Doval. Em outubro, já se falava na possibilidade de troca por empréstimo ou em definitivo de Doval pelo ponta-esquerda tricolor Zé Roberto.

Aos 31, quase 32 anos, o Gringo era considerado velho pelos dirigentes rubro-negros – mas seguia como ídolo maior da torcida, no mínimo em igualdade com o ascendente e prata da casa Zico. E em 19 de dezembro, após jantar entre os presidentes Hélio Maurício, do Fla, e Francisco Horta, do Flu, a troca três por três era acertada: Doval mais o goleiro Renato e o lateral-esquerdo Rodrigues Neto iriam para as Laranjeiras, enquanto o goleiro Roberto, o lateral-direito Toninho e o já sondado Zé Roberto seguiriam para a Gávea.

A princípio, naquele momento, ambas as torcidas reprovaram as trocas. Os tricolores reclamavam da idade avançada dos jogadores vindos do Rubro-Negro, especialmente em comparação com os que saíam. Já os flamenguistas protestavam afirmando que haviam cedido seu maior ídolo e dois jogadores com passagem pela Seleção a troco de outros que, embora tratados como promessas, nunca chegaram a se firmar nas Laranjeiras – a exceção era Toninho. O tempo mostraria que a torcida do Flamengo era a que tinha razão em seu protesto.

Doval jogaria por três anos no Fluminense, retornando ao San Lorenzo – então passando por uma de suas piores fases – em 1979, e em seguida encerraria sua carreira atuando no incipiente futebol dos Estados Unidos. Depois de pendurar as chuteiras, voltou a viver em seu país, mas sempre manteve contato com o Rio de Janeiro e com o Flamengo, inclusive indicando jogadores argentinos e observando adversários. Em 9 de outubro de 1991, o time rubro-negro foi a Buenos Aires enfrentar o Estudiantes pela extinta Supercopa, em partida realizada no estádio do Huracán. Antes do jogo, vencido pelo Fla por 2 a 0, Doval visitou a delegação, abraçou velhos conhecidos, reafirmou sua paixão pelo clube e contou histórias. Três dias depois, conquistava em campo, defendendo o Flamengo, um torneio de futebol de masters realizado na capital argentina. Saindo da comemoração do título numa boate portenha, sofreu um ataque cardíaco e morreu. Tinha 47 anos.

Seu nome, entretanto, já estava eternizado na história do futebol e da cidade do Rio de Janeiro. É até hoje, por exemplo, o maior goleador estrangeiro do Flamengo, com 94 gols. O “argentino mais carioca”, que chegou a se naturalizar brasileiro em 1976, apesar de sempre arranhar um portunhol nas entrevistas e no dia a dia, virou lenda do Maracanã, ídolo da galera rubro-negra e personagem de Ipanema. Falecido há exatos 25 anos, está vivo na memória dos amigos, em suas histórias impagáveis, e na dos torcedores, pela bola cheia de raça e técnica.

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Quarenta anos sem Reyes, ídolo de técnica e raça na zaga e no meio-campo do Fla

31 domingo jul 2016

Posted by Emmanuel do Valle in ídolos

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1967, 1970, 1971, 1972, 1973, Campeonato Carioca, Reyes, Taça Guanabara, Torneio do Povo, Torneio Roberto Gomes Pedrosa

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Os tempos eram difíceis para o torcedor rubro-negro naqueles fins de anos 60 e começo dos 70. O clube amargava um incômodo jejum de títulos cariocas e frequentemente cumpria campanhas medíocres recorrendo a elencos geralmente fracos. Havia porém alguns poucos motivos de orgulho para a massa admirar em campo. Um deles, provavelmente o maior, era o futebol de técnica exuberante e valentia incansável daquele paraguaio com cara e cabelo de índio. Símbolo maior de raça e categoria no meio-campo e depois, especialmente, na quarta-zaga do Flamengo em tempos pra lá de bicudos, Reyes viraria saudade no coração da torcida rubro-negra ao falecer em Assunção, capital paraguaia, há exatos 40 anos, vitimado por uma leucemia.

Nascido na mesma Assunção em 24 de julho de 1941, o garoto Francisco Santiago Reyes Villalba, ou apenas Reyes, começou a jogar no meio-campo do pequeno clube Presidente Hayes, de onde veio para o poderoso Olimpia em 1962. Pelo Decano, conquistou dois títulos paraguaios, entremeados com uma passagem pelo River Plate argentino, por empréstimo. Chegou também à seleção do Paraguai, pela qual disputou inclusive partidas das Eliminatórias das Copas do Mundo de 1962 e 1966.

Em 1965 cruzou o Atlântico, negociado com o Atlético de Madri. Na Espanha, porém, não teve muita chance, pois o clube já contava com número excessivo de jogadores estrangeiros, o que limitava sua presença a alguns amistosos. Até aparecer em seu caminho o Flamengo – que sempre manteve fortes laços com o futebol guarani, por meio de jogadores e treinadores que marcaram época (Fleitas Solich, Modesto Bria, Sinforiano García, Jorge Benítez, posteriormente Gamarra).

Reyes no Olimpia (à direita) ao lado de seu irmão Marlo, de camisa do clube Presidente Hayes, onde ambos começaram no futebol.

Reyes no Olimpia (à direita) ao lado de seu irmão Marlo, de camisa do clube Presidente Hayes, onde ambos começaram no futebol.

O começo difícil na Gávea

Naquela metade de 1967, o Flamengo excursionava pela Europa e tentava se reformular depois de fazer campanha bastante fraca no Torneio Roberto Gomes Pedrosa: o técnico argentino Armando Renganeschi, campeão carioca dois anos antes, já manifestara desejo de deixar o comando do time, e os dirigentes pretendiam trazer Oto Glória, então no Atlético de Madri, para seu lugar, além de repatriar o atacante Silva, ídolo na conquista daquele título, que não vinha tendo muita chance de jogar no Barcelona. No entanto, nenhum dos dois veio para a Gávea. O que os cartolas rubro-negros conseguiram, porém, foi o empréstimo do meia-armador paraguaio Francisco Reyes junto ao clube madrilenho para os jogos finais da excursão. Com ele, o time disputou o Troféu Ibérico, na cidade espanhola de Badajoz, perdendo para o Sporting Lisboa (1 a 2) e vencendo o Barcelona (1 a 0).

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Reyes assina contrato com o Flamengo. À sua direita, sorrindo, o sueco Gunnar Goransson, dirigente do clube na época.

Mesmo sem ritmo de jogo, o gringo agradou e foi contratado em definitivo pelo alto valor de NCz$ 100 mil. Chegou ao clube em agosto, mas demorou mais de um mês para estrear, por problemas de documentação e uma gripe insistente que pegou logo ao chegar. Enquanto isso, aparecia muito bem nos treinos, como dizia a nota do Jornal do Brasil do dia 10 daquele mês: “O jogador paraguaio tem demonstrado excelentes qualidades nos coletivos e, sobretudo, noção para os lançamentos em profundidade. Reyes bate na bola com muita facilidade e tem boa colocação dentro do campo. Embora ainda não esteja em forma, Reyes já demonstrou que tem qualidades para resolver o problema de meio-campo do Flamengo”.

Reyes na capa da Revista do Esporte em outubro de 1967.Infelizmente, os problemas do time rubro-negro não se resumiam ao meio-campo. A temporada de 1967 foi uma das piores da história do Flamengo desde a adoção do profissionalismo, em 1933. Basta dizer que pela primeira vez desde aquele ano o time encerrou com mais derrotas (31) que vitórias (22). Nem mesmo a chegada em outubro do experiente Aymoré Moreira, treinador campeão do mundo com a Seleção Brasileira no Chile em 1962, ajudou a melhorar a pífia campanha do time no Campeonato Carioca. Enquanto isso, Reyes sofria em sua adaptação com uma série de problemas físicos, a saudade da esposa e do filho recém-nascido, além do preocupante estado de saúde de seu pai, recém-infartado. Houve, porém, uma grande exibição do paraguaio no primeiro Fla-Flu do campeonato, vencido pelo Rubro-Negro por 3 a 1: Reyes marcou, deu passes, lançou em profundidade, fez o segundo gol do time pouco depois do empate tricolor e, sobretudo, demonstrou toda a elegância e o dinamismo em campo que a ele atribuíam.

O ano seguinte não começou melhor para o jogador. Logo no início do ano, uma briga com Aymoré durante um treino, por uma suprema ironia: o técnico queria que Reyes atuasse como quarto-zagueiro. O jogador protestou, jogou a camisa no chão com raiva e acabou fora do time titular, até a saída do comandante, em março. Ex-médio do clube nos anos 40, Válter Miraglia assumiu o time e utilizou o paraguaio com frequência um pouco maior (inclusive como titular), mas ainda era pouco: durante todo o ano de 1968, disputou 24 partidas, mas apenas dez desde o início.

Como curiosidade, também naquele ano atuaria pela primeira vez na posição que o consagraria tempos depois, num amistoso contra o Guará, em Brasília, no dia 18 de junho. Formou uma zaga “estrangeira” ao lado do central uruguaio Manicera. O Flamengo venceu por 2 a 0. Mas, sem ser tão aproveitado, Reyes esteve perto de rumar para Moça Bonita: em setembro o Fla chegou a propor ao Bangu a troca simples do paraguaio pelo atacante alvirrubro Mário “Tilico”, mas as negociações não avançaram.

Time do Fla que disputou amistoso em Manaus contra o Nacional local, em julho de 1968. Em pé: Murilo, Onça, Marco Aurélio, Manicera, Carlinhos e Paulo Henrique. Agachados: Zélio, Reyes, Luís Carlos, Silva e Rodrigues Neto.

Time do Fla em Manaus para amistoso contra o Nacional local, julho de 1968. Em pé: Murilo, Onça, Marco Aurélio, Manicera, Carlinhos e Paulo Henrique. Agachados: Zélio, Reyes, Luís Carlos, Silva e Rodrigues Neto.

Em 1969, suas chances de atuar ficaram ainda mais reduzidas, já que o clube contratou mais dois estrangeiros – o veterano goleiro Rogelio Domínguez (ex-Racing e Real Madrid) e o atacante Narciso Horácio Doval (ex-San Lorenzo), ambos argentinos – ficando com quatro no elenco, e podendo utilizar apenas dois por vez, conforme a legislação. Assim, Reyes entrou em campo apenas sete vezes, seis delas em amistosos, e apenas duas vezes como titular. No primeiro jogo, substituiu Garrincha durante a vitória rubro-negra por 3 a 1 sobre o Robin Hood, do Suriname, em excursão ao país vizinho. Seu último jogo pelo Flamengo no ano veio no dia 6 de abril, entrando na etapa final de uma vitória por 2 a 0 sobre o Bangu, pelo Campeonato Carioca.

Vivendo o ostracismo na Gávea, treinava entre os reservas na posição que sobrasse (ora lateral, ora ponta). Quase se transferiu para o futebol mexicano. Quase foi trocado com o Vasco. Mas acabou mesmo emprestado ao Campo Grande no fim de setembro, numa leva com outros rubro-negros menos cotados. No clube da Zona Oeste, atuou ao lado de veteranos como Jair Marinho e Hélio Cruz sob o comando do técnico Gradim, e conquistou o Torneio Otávio Pinto Guimarães, disputado entre equipes menores da Guanabara e as do antigo estado do Rio de Janeiro, pré-fusão.

A volta por cima

Findado o empréstimo, o apoiador retornou ao Flamengo, mas era peça quase descartada no elenco rubro-negro para a temporada de 1970. Caso não houvesse nenhum clube interessado em sua contratação, seria devolvido ao Atlético de Madri, sem honra nem glória, como mais um estrangeiro que fracassara no clube e no futebol brasileiro – ainda que, como tantos outros, subaproveitado. Sua cotação na Gávea estava tão baixa que ele acabou incluído num time misto, formado por juvenis e reservas, que excursionaria pela Ásia fazendo amistosos no Japão e na Coreia do Sul, comandado pelo preparador físico José Roberto Francalacci.

Foi sua salvação. Ainda que os resultados obtidos pelo time misto não fossem bons, a atuação de Reyes improvisado como quarto-zagueiro recebeu muitos elogios no relatório preparado por Francalacci e pelo chefe da delegação, o ex-presidente rubro-negro Hilton Santos, que chegou às mãos do técnico do time principal, Yustrich. Bem recomendado, Reyes então acabou escalado na posição contra o Olaria, pela Taça Guanabara, no lugar de Tinho, que se recuperava de lesão. De início, fez boas atuações (apesar do lance que se tornou folclórico no jogo contra o Bangu, em que o atacante alvirrubro Dé, o Aranha, atirou uma pedra de gelo na bola para toma-la do controle do paraguaio e marcar o gol). Mas com a recuperação do antigo titular, ficou alguns jogos de fora. Até retornar, na reta final da Taça (conquistada pelo Fla), para não sair mais. No jogo do título, empate em 1 a 1 com o Fluminense, lá estava ele cumprindo grande atuação.

No segundo semestre, manteria o alto nível mesmo no desempenho irregular do Flamengo no Campeonato Carioca. E no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, no qual o time faria grande campanha, seu talento apareceria para o país inteiro. Levando toda a categoria de jogador de meio-campo no passe e no trato com a bola para a zaga, e aliando-as às recém-descobertas qualidades talhadas para a nova função, Reyes teve atuações exuberantes com a camisa 6, número reservado na época para a posição. Apresentava um perfeito senso de antecipação e cobertura. Saía jogando da defesa para o meio com classe e tranquilidade, sem nunca recorrer ao chutão. Iniciava jogadas de ataque com lançamentos perfeitos. E ainda era bom no jogo aéreo. O meia-armador habilidoso virara de fato um zagueiro completo.

o craque da bola de prata 1970 - placar

O reconhecimento não tardou a chegar. Naquele ano, a recém-lançada revista Placar instituiu seu famoso troféu Bola de Prata, para premiar os melhores do Robertão em cada posição – exceto Pelé, considerado hors concours. A cada partida, os jogadores eram avaliados pela equipe da publicação e recebiam notas. O dono da melhor média final em cada uma das 11 posições era premiado. Na quarta-zaga, Reyes tinha entre seus concorrentes nomes como Luís Carlos (Corinthians), Vantuir (Atlético-MG), Leônidas (Botafogo), Roberto Dias (São Paulo), Djalma Dias (Santos), além de defensores que viviam bom momento, como o palmeirense Nélson, o tricolor Assis e o gremista Beto.

Nenhum desses, no entanto, chegou a representar sequer ameaça de tirar a Bola de Prata do paraguaio: Reyes triunfou por larga margem, com média 8,13, mais de um ponto superior ao segundo colocado (Luís Carlos, com 6,70). Para se ter uma ideia do nível de excelência do desempenho do zagueiro rubro-negro, basta dizer que apenas três jogadores, entre todos os avaliados de todos os times, superaram a nota 8 na média: Tostão (8,06), Paulo César Caju (8,12) e Reyes, o maior de todos. Infelizmente, apenas em 1973 a revista instituiria também a Bola de Ouro, troféu dado ao primeiro colocado geral. Caso ela já existisse três anos antes, a primeira teria ido parar nas mãos do paraguaio. Nas palavras da publicação: “Francisco Santiago Reyes Villalba, cara de índio, cabelos de índio, às vezes desconfiado como um índio, é o dono da área do Flamengo. Na hora do aperto êle sai com a bola dominada, começa a armar o time. Reyes é um zagueiro que não dá balão, que soma a classe de Leônidas, a valentia de Assis e o amor à camisa de Luís Carlos. Tem mais ainda, porque Reyes é um ex-volante, que sabe como atacar sempre que tem espaço à sua frente”.

reyes bola de prataE não era só Placar que tinha Reyes em alta conta: o Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, incluiu o zagueiro entre seus destaques do Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Uma votação feita entre jornalistas esportivos gaúchos também apontou o paraguaio como o melhor de sua posição na competição. Até mesmo Armando Nogueira, colunista do Jornal do Brasil, deixou de lado sua maldisfarçada antipatia em relação ao Flamengo para se render em elogios sempre que se referia ao jogador. Em 14 de junho de 1971, por exemplo, quando a Seleção Brasileira voltou a ser convocada após o título mundial no México, o jornalista lamentava em sua coluna a suposta escassez de merecedores de convocação para a quarta-zaga e, após apontar o corintiano Luís Carlos como talvez o mais indicado, fazia a seguinte ressalva: “Além dêle, jogando futebol em nível de scratch (seleção), naquela posição, só existe, no duro, o paraguaio Reyes, do Flamengo”. Naquele começo dos anos 70, em meio a toda a euforia pós-tricampeonato mundial do Brasil, Reyes era, sem favor algum, o melhor beque pelo lado esquerdo em atividade no país.

Dentro do próprio Flamengo o jogador já tinha seu talento plenamente reconhecido até pela velha guarda rubro-negra. Em 15 de novembro de 1971, no aniversário do clube, o Jornal do Brasil publicou uma escalação histórica ideal chamada “O Super Flamengo”, formada segundo a opinião de antigos técnicos, dirigentes e jogadores do clube. Em meio a nomes lendários como Domingos da Guia, Leônidas da Silva e Zizinho, o único a ter atuado pelo Flamengo da década de 1950 em diante presente nesse “time de todos os tempos” era Reyes.

álbum bola de prata - 1971Naquele ano, como era habitual no período, o time vivia outra fase de vacas magérrimas. Todo o bom momento vivido pela equipe no ano anterior sobre o comando rigoroso de Yustrich se esvaiu em meio às brigas do intratável treinador com astros do time, como Doval – emprestado para o Huracán argentino por ordem do técnico – e o próprio Reyes, com quem, na temporada passada, tinha vivido uma relação de cumplicidade mútua. Sabe-se lá como, Yustrich resistiu no comando do time até o fim de maio de 1971, antes de os interinos Modesto Bria (paraguaio como Reyes) e Newton Canegal prepararem o terreno para o retorno do veterano Fleitas Solich. Mas o Fla, naquele ano, era terra arrasada, com elenco esfacelado, e física e mentalmente destroçado.

Exceto Reyes, o corpo e a alma do Flamengo. Com sua raça inesgotável e seu talento exuberante, jogava pela defesa, pelo meio, pelo time. Num dia, corria para salvar gols em cima da linha e evitar derrotas depois de o adversário ter driblado goleiro e tudo, como fez nos 0 a 0 contra o Olaria e o Fluminense no Campeonato Carioca. No outro, desarmava o atacante rival em sua área, atravessava o meio-campo, driblava e lançava para um companheiro marcar um sofrido gol da vitória, como fez com Arílson na partida diante do Ceará em Fortaleza pelo Campeonato Brasileiro. Além das qualidades dentro de campo, fora dele também se destacava: um dos líderes do elenco, era bom companheiro, articulado nas entrevistas, sempre sorridente e brincalhão com todos (ganhou o apelido de “paraguaio pura simpatia”). Em meados daquele ano, o Botafogo chegou a ambicionar sua contratação. Mas nada o tiraria da Gávea naquele momento. Agora era ídolo.

Reyes (à frente) e Ubirajara, dois destaques rubro-negros no Robertão-70.

Reyes organiza a defesa rubro-negra.

Fim do jejum estadual e os últimos anos na Gávea

Em 1972, o Flamengo se aprumaria, montando um grande elenco para enfim sair da fila no Campeonato Carioca. Com Doval de volta da Argentina, Zanata retornando após fraturar a perna, os reforços do extraclasse Paulo César Caju, do volante Zé Mário e do goleiro Renato, além da recuperação técnica de jogadores como Arílson, Caio e Rodrigues Neto, o time agora treinado por Zagallo largou muito bem na temporada, conquistando logo de saída o Torneio Internacional de Verão, contra Benfica (no qual Fio marcou o gol que o tornou o Maravilha) e Vasco; e o Torneio do Povo, no qual o rubro-negro superou Bahia, Corinthians, Atlético-MG e Internacional para arrebatar o título – com Reyes ostentando a braçadeira de capitão.

Para o paraguaio, no entanto, foi o primeiro ano marcado por problemas físicos frequentes, embora demonstrasse a velha categoria habitual. Reyes esteve sempre soberbo nos jogos de ambas as competições – na vitória sobre o Corinthians no Pacaembu por 2 a 1 pelo Torneio do Povo, o Jornal do Brasil descreveu assim sua atuação: “Excelente. Dominou todas as jogadas de ataque pelo seu lado e apoiou com muita categoria”.

Mas na metade do primeiro turno do Campeonato Carioca, durante a partida contra o Botafogo, sofreu um pisão de Roberto Miranda num lance casual que provocou uma inflamação no tendão de Aquiles do pé direito, tirando-o de ação por cerca de três meses. Assim, não participou da goleada de 5 a 2 aplicada sobre o Fluminense que deu ao Fla mais um título da Taça Guanabara – disputada pela primeira vez como uma etapa do campeonato do Rio de Janeiro. Reyes voltaria ao time apenas na reta final da competição, ajudando o Rubro-Negro a superar o Vasco de Tostão, Silva e Roberto Dinamite e o Fluminense de Gerson no triangular decisivo e levantar seu primeiro título estadual desde 1965.

O time da decisão carioca de 1972. Em pé: Renato, Chiquinho, Moreira, Reyes, Liminha e Vanderlei. Agachados: Rogério, Zé Mário, Caio, Doval e Paulo César Caju.

O time da decisão carioca de 1972. Em pé: Renato, Chiquinho, Moreira, Reyes, Liminha e Vanderlei. Agachados: Rogério, Zé Mário, Caio, Doval e Paulo César Caju.

Na decisão do Carioca, porém, mais problemas: Reyes teve de deixar o gramado ainda durante a partida, sofrendo um princípio de estiramento na coxa esquerda, que o deixaria de fora por pouco mais de um mês. A rotina de lesões e o calendário massacrante o permitiram disputar apenas oito das 28 partidas do Flamengo no Campeonato Brasileiro. Após a derrota para o América-MG no Mineirão, em 11 de novembro, as dores no tendão do pé direito voltaram a incomodá-lo, e ele desfalcaria o time não só pelo resto do torneio como também por todo o Carioca do ano seguinte.

Ficou ao todo nove meses e cinco dias parado, período em que chegou a engessar o pé direito quatro vezes. Era triste ficar encostado, longe da bola: mesmo sem condições, aparecia frequentemente para treinar e precisava ser dissuadido pela comissão técnica. Para piorar, a lesão levou ao aparecimento de outros problemas: em agosto de 1973, chegou a ser relacionado para a partida contra o Bonsucesso, pelo terceiro turno do Carioca, sem importância para o Fla (já classificado para a fase final), mas crucial para o ânimo de Reyes. Mas no dia do jogo apareceu no clube com a mão direita muito inchada e foi vetado. Voltou somente contra o Comercial de Campo Grande, já na rodada de abertura do Campeonato Brasileiro, no dia 26 daquele mês. O Fla venceu por 1 a 0 e Reyes teve grande atuação, compensando com técnica a falta de ritmo de jogo.

reyes 02Mais uma vez, porém, as lesões impediram participação maior do paraguaio na campanha: Reyes entrou em campo 14 vezes (12 como titular), ou seja, metade das 28 partidas cumpridas pelo Fla naquele Brasileiro, e não conseguiu evitar a decepcionante eliminação precoce do clube – que não conseguiu ficar entre os 20 melhores nos turnos de classificação. Sem ele, a defesa rubro-negra ficava preocupantemente vulnerável. O zagueiro, no entanto, manteve atuações dignas até sua última partida pelo Rubro-Negro, uma vitória de 3 a 2 sobre o America, a derradeira do time na competição, em 15 de dezembro de 1973. Quatro dias depois, teria ainda a honra de atuar como quarto-zagueiro no time de estrangeiros que enfrentou a Seleção Brasileira no jogo que marcaria a despedida definitiva de Garrincha do futebol. Novamente teve atuação segura, apesar da derrota do combinado por 2 a 1.

No começo do ano seguinte, em 14 de janeiro, o Flamengo concedia o passe livre ao jogador, que tinha proposta do Olimpia e pretendia voltar a seu país e encerrar a carreira por lá. Havia a expectativa de voltar à seleção paraguaia, mas acabou não se concretizando. Antes de partir, ganhou um jogo de despedida. No dia 18, o Flamengo fez um amistoso contra o Zeljeznicar, da Iugoslávia, no Maracanã, vencendo por 3 a 1 com dois gols de Zico e um de Arílson. Reyes deu o pontapé inicial e uma volta olímpica pelo gramado, saudado pelos torcedores. Recebeu duas placas de prata e, chorando, afirmou: “Deixar o Brasil é uma coisa que sinto muito, mas saber que não vou mais usar esta camisa, ouvir os gritos desta torcida doerá muito mais ainda”. Ao contrário do que era praxe em jogos assim, quando a renda da partida fica para o homenageado, Reyes abriu mão do dinheiro, deixando-o para o clube “fazer o que quiser”.

No Olimpia, o penúltimo agachado: campeão paraguaio em 1975, o último ano da carreira.

No Olimpia, o penúltimo agachado: campeão paraguaio em 1975, o último ano da carreira.

Em outubro de 1975, uma notícia causou comoção no meio esportivo carioca: Reyes tinha sido diagnosticado com leucemia, uma espécie de câncer no sangue, e teria apenas mais dois ou três meses de vida. Trazido pelos dirigentes rubro-negros para o Rio, ficou sob tratamento no Hospital dos Servidores do Estado. Quando melhorou, voltou para Assunção, mas lá teve nova recaída, da qual não se recuperou. Faleceu na capital paraguaia na madrugada de 31 de julho de 1976, aos recém-completados 35 anos.

No dia seguinte, no Fla-Flu válido pelo terceiro turno do Campeonato Carioca daquele ano, foi respeitado um emocionante minuto de silêncio em sua memória. A torcida se despediu de quem nunca se esqueceria. Em seu país, é lembrado até hoje não só pelo Olimpia, onde marcou época, como também pelo Presidente Hayes – neste, com a honra de batizar uma das arquibancadas do estádio do pequeno clube de Assunção.

Em 1982, numa eleição promovida pela revista Placar entre jornalistas, ex-jogadores e personalidades rubro-negras, Reyes formou com Domingos da Guia a dupla de zagueiros do maior Flamengo de todos os tempos (a exemplo da mesma enquete realizada pelo Jornal do Brasil 11 anos antes). Muitos que o viram jogar ainda o colocam entre os melhores. E sentem saudade de ver aquele indiozinho sorridente, mas lutador em campo, limpar a jogada na área rubro-negra e sair com a bola colada ao pé, levando o Mengo à frente.

Reyes com seus filhos Marcos e Gustavo.

Reyes com seus filhos Marco e Gustavo.

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