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1953, Adãozinho, Índio, Boca Juniors, Joel, Rubens, San Lorenzo, Torneio Quadrangular da Argentina
Um clássico local é sempre um clássico, seja onde for disputado. Numa decisão, ganha importância ainda maior. Mesmo que transcenda as fronteiras nacionais, como foi o caso de um Flamengo x Botafogo disputado em Buenos Aires no dia 28 de março de 1953. O título em disputa era o do Torneio Quadrangular de Buenos Aires, que oferecia a Taça Juan Domingo Perón, em homenagem ao então presidente argentino. E os dois rivais cariocas foram convidados para se juntarem a San Lorenzo e Boca Juniors na prestigiosa competição.
O Flamengo vivia um começo de renascimento, após um período muito ruim na virada da década de 40 para a de 50, e já lançava as bases para o time que dominaria o futebol carioca no triênio 1953-54-55. E naquela pré-temporada, era dirigido por um jovem (32 anos), mas que fazia lembrar um passado não muito distante de conquistas: era Jayme de Almeida, o ex-médio-esquerdo tricampeão carioca em 1942-43-44, presença constante na Seleção Brasileira durante toda a década, e eleito em 1946 o maior da posição nas Américas. Médio elegante, disciplinado, inteligente e eficiente tanto na marcação quanto no apoio. Sem dúvida, um jogador à frente de seu tempo.
A bola começou a rolar na capital portenha no dia 20, quando o San Lorenzo goleou o Botafogo por 4 a 1. Dois dias depois, o alvinegro se recuperou e fez 2 a 0 no Boca com gols de Dino da Costa. Vindo direto de excursão à Bahia, o Fla chegou muito cansado a Buenos Aires no mesmo dia 24 em que estrearia diante do forte San Lorenzo.
O time rubro-negro saiu atrás no marcador quando o centroavante Florio cabeceou para fazer 1 a 0, aos 22 minutos de jogo. Igualou aos 27 quando Índio, o nome do jogo, fez grande lançamento da direita para Adãozinho, que encheu o pé para vencer o arqueiro Blazzina. E chegou à virada na volta do intervalo, logo aos quatro minutos, quando Rubens driblou seu marcador e soltou a bomba que bateu no travessão e quicou dentro do gol antes de ir para o fundo da rede. Mas, desgastado, o time cedeu o empate a oito minutos do fim, de novo com Florio, após falha de Garcia.
Diante da boa atuação apesar do cansaço, a imprensa argentina rasgou elogios. Para o jornal Crítica, o Flamengo se mostrou “ágil, flexível, harmonioso e agressivo”, enquanto o La Razón elogiou a firmeza do setor defensivo e a mobilidade dos homens de frente. “Tudo isso se alia à sutileza, elegância e rapidez, dando à ação um todo quase diabólico”, escreveu.
Dois dias depois veio o segundo jogo, diante do Boca Juniors. Após um primeiro tempo sem gols, em que o Flamengo deteve a pressão boquense com atuação assombrosa de Garcia, o adversário abriu o placar aos 19 minutos da etapa final com Montano, após confusão na área. Quando a derrota já liquidaria as chances rubro-negras no torneio, veio o empate, aos 43 minutos. Otero recuou mal uma bola, Índio apanhou, passou por Colman e pelo goleiro Mussimessi e tocou para o fundo da rede. O título estava em aberto.
No dia 28, a decisão: Flamengo e Botafogo abririam a rodada dupla, enquanto os argentinos fariam o jogo de fundo. O Fla adentrou o gramado do Monumental de Núñez com Garcia; Leone, Pavão e Marinho; Jadir e Dequinha; Joel (no lugar de Paulinho), Rubens, Adãozinho, Índio e Esquerdinha. Do lado alvinegro, começaram o jogo Gílson; Arati, Gérson e Floriano; Bob e Juvenal; Braguinha, Geninho, Dino da Costa, Zezinho e Jaime.
Fazia muito calor naquela tarde/noite de sábado em Buenos Aires. E no clássico carioca, o primeiro tempo foi mais lento, mas não sem emoção. Índio acertou a trave botafoguense logo aos cinco minutos. Na sequência, houve falta para o Flamengo, cometida por Arati, próxima à grande área. Esquerdinha bateu curto, entregando a Dequinha, que passou a Índio. O atacante rolou para Joel entrar da direita fuzilando o goleiro Gilson. Flamengo 1 a 0.
Na etapa final, bem mais intensa, o Fla prosseguiu com seu “domínio técnico e territorial”, como escreveu a crônica esportiva da época. Aos 11 minutos, Rubens, o “Doutor Rúbis”, recebeu de Dequinha, passou por dois botafoguenses e acertou um chute forte e cruzado vencendo mais uma vez Gilson. E aos 25, veio a confirmação da vitória, novamente através de Rubens. O meia invadiu a defesa alvinegra e marcou o terceiro, após falha de Gilson que deixou a meta afobadamente. Uma vitória categórica.
Resultado definido, o Fla ficou no aguardo do desenrolar do duelo hermano. O Boca saiu na frente e foi para o intervalo vencendo por 1 a 0. No segundo tempo, o San Lorenzo virou, mas um providencial gol de falta de González para o time da Bombonera a três minutos do fim deixou tudo igual. Assim, Fla e San Lorenzo terminaram empatados na primeira colocação, com quatro pontos ganhos. E o título foi decidido num critério de desempate bastante utilizado até a década de 60: o goal average, que consistia na divisão dos gols marcados pelos sofridos. O jornal carioca A Noite registrou o desfecho:
“No final do Torneio, o presidente do Boca Juniors declarou que como as equipes brasileiras deveriam regressar, não seria possível disputar uma partida de desempate entre o Flamengo e o San Lorenzo e, assim alvitrou-se o processo do ‘gol average’ (sic) com o qual concordou o San Lorenzo, em um gesto de amabilidade e cavalheirismo”.
Naquela mesma noite, o presidente rubro-negro Gilberto Cardoso estava em Lima (Peru), acertando a contratação do técnico paraguaio Fleitas Solich, que acabara de levar de maneira brilhante e surpreendente a seleção de seu país ao título do Campeonato Sul-Americano (atual Copa América), derrotando o Brasil por duas vezes. “El Brujo” Solich seria fundamental no tricampeonato carioca que viria a partir daquele ano, revelando craques e fazendo o time jogar um futebol moderno, veloz e solidário. Jayme de Almeida, campeão em Buenos Aires, seria seu braço-direito na comissão técnica.