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1983, 1984, 1985, 1986, 1987, 1989, 1996, Bebeto, Campeonato Brasileiro, Campeonato Carioca, Copa União
Oitavo maior goleador da história do Flamengo (150 gols em 307 jogos) e herói de importantes conquistas estaduais e nacionais, Bebeto teria tudo para ser até hoje um ídolo incontestável do clube. Mas, a exemplo de Tita (sobre quem já escrevemos aqui), o garoto que chegou à Gávea ainda para defender a equipe de juniores e com a perspectiva de ser o herdeiro de Zico viria a despertar a ira de grande parte da torcida graças à polêmica transferência para o rival Vasco, tornando-se desde então assunto espinhoso entre os rubro-negros.
Mas como a vitoriosa história de Bebeto no Flamengo não se apaga, nesta sexta-feira em que ele completa 60 anos de idade relembramos toda a sua trajetória no clube, sua afirmação como um dos principais talentos de uma grande safra de atacantes do futebol brasileiro, além de contextualizar toda a controvérsia acerca da negociação que o levou para São Januário e, por fim, abordar brevemente seu retorno ao Fla, sete anos depois de sua saída.
DE SALVADOR PARA O RIO
“O Flamengo fez o maior negócio da década. Acabou de comprar o Dida ou o Zico do futuro”. A declaração em tom profético partia de quem conhecia do riscado: Aymoré Moreira, técnico campeão do mundo com o Brasil na Copa do Chile em 1962 e que então dirigia o Galícia de Salvador. E o jogador em questão – o meia-atacante Bebeto, 18 anos, dos juniores do Vitória – de fato reunia características comuns aos dois ídolos históricos da Gávea: habilidade, agilidade, movimentação, inteligência e visão de gol, compensando o físico franzino.
Naquele início de 1983, o Flamengo desembolsou Cr$ 56 milhões pelo garoto que despontara para o futebol nas peladas do colégio estadual em que estudava, seguindo ao infanto-juvenil do Bahia, o qual deixaria aos 16 anos, após ter sido negada sua ajuda de custo para os treinos, para brilhar na base do rival Vitória. Neste, chegou a fazer quatro jogos no time principal em 1982 antes de ser convocado no fim daquele ano pelo técnico Jair Pereira para a Seleção Brasileira de juniores, que se preparava para o Campeonato Sul-Americano da categoria.
Bebeto chegaria à Gávea em 19 de fevereiro de 1983, vindo de se sagrar campeão com a Seleção no Sul-Americano disputado na Bolívia, e três dias depois de seu aniversário de 19 anos. A transferência realizou o sonho de sua família, toda ela torcedora fanática do Flamengo – o pai Wilson, corretor de imóveis, a mãe Cármen e os sete irmãos. Ou quase toda: a exceção era justamente Bebeto, que não via problema em se confessar cruzmaltino por uma homenagem ao avô materno falecido, chamado Vasco Nogueira da Gama.
Não era algo inédito, raro, tampouco se tratava de um problema: Zizinho era torcedor do America antes de chegar ao Fla. Murilo e Andrade, pilares rubro-negros por mais de uma década, eram botafoguenses. Aldair, que chegaria à Gávea quase junto com Bebeto, era vascaíno. O tricolor Caio Cambalhota fizera história justo num Fla-Flu. Sem falar nas supostas simpatias de Leônidas da Silva e Junior pelo clube das Laranjeiras. Assim como havia rubro-negros nos rivais. Mas a confissão voltaria à baila para assombrar Bebeto dali a seis anos.
O atacante, aliás, havia recusado uma proposta do Vasco, preferindo defender o Flamengo, onde sonhava em tabelar com Zico e rejeitava a ideia de ser seu sucessor: “Zico é insubstituível. Ele ainda tem muito futebol pela frente e eu quero jogar ao seu lado”, declarou ao chegar. Naquele primeiro momento, porém, embora o clube tivesse inscrito Bebeto na Taça Libertadores da América, a ideia era que ele reforçasse a equipe de juniores, passando até a morar na concentração da categoria, na Praça Seca, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio.
E assim se deu ao longo daquela primeira temporada: além de vencer, no meio do ano, o Mundial de Juniores com a Seleção no México, Bebeto também participou – junto com uma ótima geração que despontava – da campanha vitoriosa do Flamengo dirigido por Carlinhos no Estadual da categoria, disputado no segundo semestre. E ainda era, vez por outra, promovido ao elenco principal: ao todo foram quatro jogos, curiosamente sob o comando de três técnicos diferentes: Paulo César Carpegiani, Carlos Alberto Torres e Cláudio Garcia.
A estreia viria no jogo que culminaria na demissão de Carpegiani, a vitória de 2 a 0 sobre o Tiradentes-PI no Maracanã pelo Brasileirão em 23 de março. Torres, por sua vez, ousaria ao lançar o garoto no segundo tempo do jogo de ida da final do torneio, a derrota por 2 a 1 para o Santos no Morumbi. E repetiria a ousadia ao escalá-lo de titular na estreia no Estadual, em 10 de julho, contra o Goytacaz em Campos, quando Bebeto fez o gol do Fla na derrota por 2 a 1. Já com Garcia, ele entraria na vitória por 3 a 1 sobre o Bangu, na Taça Rio.
Nos primeiros dias, porém, Bebeto demonstraria dificuldade de adaptação. Arredio, com saudade da família e de Salvador, reagia mal inclusive ao tratamento para ganhar corpo desenvolvido pelo preparador físico José Roberto Francalacci – o mesmo ao qual Zico e tantos outros talentos da base rubro-negra haviam se submetido no início da carreira. No início de 1984, após não ter sido relacionado para o jogo com o Operário em Campo Grande pelo Brasileiro, viajou à capital baiana sem avisar, numa rebeldia que quase custou punição.
Mas os conselhos de jogadores mais experientes, como Junior, e de seu pai nas frequentes ligações para Salvador ajudaram o garoto a colocar a cabeça no lugar. Foi quando começou a ganhar mais espaço. Até que, no começo de março, foi relacionado para o jogo contra o Brasil de Pelotas no Maracanã, entrou no segundo tempo e marcou o gol que fechou a vitória do Flamengo por 3 a 0. Sua atuação agradou e ele passou a ser mais utilizado por Cláudio Garcia. Até ganhar uma chance como titular no clássico com o America, em 8 de abril.
A PROMESSA VIRA REALIDADE
No jogo que abria a terceira fase do Brasileiro e no qual estreava a marca Lubrax na camisa do Fla, Bebeto foi lançado na ponta-direita e fez “um segundo tempo espetacular, com jogadas muito técnicas e um gol marcado com oportunismo”, de acordo com o Jornal do Brasil. Foi recebido com entusiasmo até pelo botafoguense Luiz Mendes, comentarista da Rádio Nacional, para quem o garoto fazia lembrar Leônidas e Heleno de Freitas. Junior também aplaudiu: “Este Bebeto vai ter que entrar no time titular. Quem vai ter que sair?”.
E Bebeto entrou para não sair mais, mesmo com a dura disputa por espaço num elenco rubro-negro farto de opções. Tomou a camisa 7 de Lúcio, ponta-direita especialista e experiente trazido do Guarani no fim de 1983 e, dos 46 jogos feitos pelo Fla dali até o fim da temporada, entre Brasileiro, Libertadores, Estadual e amistosos, ele atuaria em 44, sempre como titular. Na sequência de grandes exibições, abriria a goleada de 5 a 0 no Santos no Morumbi e anotaria dois gols nos 3 a 1 sobre o Grêmio no Maracanã, ambos pela Libertadores.
“Em pouco tempo conquistou a torcida do Flamengo. Seus dribles, passe e a rapidez com que se desloca deixaram vários zagueiros confusos. Veio do Vitória da Bahia, está com 20 anos, pesa 64 quilos e tem 1,76m”, dizia o texto sobre Bebeto na revista-pôster comemorativa do título da Taça Guanabara publicada no fim de setembro pelo Jornal do Brasil – troféu que, a despeito da grande fase do atacante baiano e do bom time com que o Flamengo contava (agora sob o comando experiente de Zagallo), seria a única conquista rubro-negra no ano.
Mas bem pior que a frustração de não levantar os canecos mais importantes da temporada foi a profunda tristeza com a morte súbita e precoce de seu irmão e procurador Nílton, falecido no mesmo desastre aéreo que vitimou o zagueiro rubro-negro Figueiredo, no Pico da Caledônia, em Nova Friburgo, perto do Natal daquele ano. Irmão mais velho e companhia constante, Niltinho era o único familiar de Bebeto a morar com ele no Rio e foi um dos principais responsáveis para que o garoto colocasse a cabeça no lugar. Uma perda sentida.
Bebeto homenagearia o irmão logo no segundo jogo da temporada 1985: na vitória de 4 a 1 sobre o Santa Cruz no Arruda pelo Campeonato Brasileiro, ele marcaria o terceiro gol rubro-negro após receber passe de Chiquinho e chutar forte para vencer o goleiro Luís Neto. Na comemoração, ele se ajoelhou no gramado e ergueu os braços para o céu numa imagem comovente. Aquele seria o primeiro dos nove gols anotados pelo atacante naquela edição do torneio. Os mais marcantes, no entanto, viriam no segundo turno, em clássicos.
Diante do America – contra quem Bebeto já fizera o gol da vitória de 1 a 0 no primeiro turno – ele teve uma daquelas atuações que delineavam o craque surgindo. Aos cinco minutos, abriu o placar pegando rebote do chute de Adílio. Mas os rubros viraram com Heriberto e Moreno e acertaram a trave duas vezes. Até que, aos 39 da etapa final, Bebeto empatou com um gol antológico de voleio, que se tornaria sua marca. E um minuto depois, ele fez o passe para Chiquinho, mas o americano Serginho se antecipou e fez contra: 3 a 2.
“Responsável pela vitória, fez um gol de placa”, destacou a revista Placar, que atribuiu a rara nota 10 à sua atuação. Uma semana depois, Bebeto voltaria a assinar um gol magistral. No Fla-Flu, os tricolores, que precisavam da vitória, saíram na frente com Assis e, quando sua torcida já ensaiava o cântico de “recordar é viver” para exaltar o “carrasco”, o jovem talento rubro-negro, que vestia a 10, empatou no último minuto numa cobrança de falta que fez lembrar Zico. Aquele 1 a 1 praticamente alijou o rival da briga pela classificação.
Com a afirmação, os elogios logo viriam. Para o velho craque rubro-negro Zizinho, Bebeto lembrava o Tostão da Copa de 1970: “Ele joga de primeira, sabe se colocar e ocupar os espaços. É o homem de um toque e que sempre escapa da dividida. Ninguém encosta nele”. Para adversários, como o lateral Nelinho, do Atlético Mineiro, Bebeto “é técnico, ágil e sobretudo tem um raciocínio muito rápido”. Já Márcio Guedes, comentarista da TV Globo (e botafoguense), tinha o emergente talento do Fla como “a maior vocação de craque deste país”.
Assim, em abril viria a primeira convocação para a Seleção Brasileira principal, então dirigida por outro ex-atacante rubro-negro, Evaristo de Macedo. Bebeto – que já estivera no radar do ocupante anterior do cargo, Edu Antunes Coimbra (o irmão de Zico) – era um dos mais jovens da nova safra de estreantes, a qual incluía, entre outros, o lateral-esquerdo Branco (Fluminense), o meia Geovani (Vasco) e o atacante Casagrande (Corinthians). Na leva de seis amistosos contra seleções sul-americanas, Bebeto atuou em cinco, sendo titular em quatro.
Evaristo não duraria além disso no cargo, e sua saída abriu caminho para o retorno de Telê Santana às vésperas das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1986. Bebeto, no entanto, seguiu na lista. Mas, tendo agora a concorrência dos astros brasileiros que atuavam na Itália, só disputou um jogo sob o comando do técnico, entrando no lugar de Zico durante o amistoso com o Chile no Beira Rio em 8 de junho. Apesar de ser um nome muito pedido na Seleção, dentro e fora do Rio, Bebeto não faria parte dos planos de Telê para o Mundial mexicano.
Em meados de 1985, o Fla repatriaria Zico e Sócrates, mas pouco poderia contar com eles no Estadual. O Galinho se tornou baixa logo de saída, ao sofrer a entrada criminosa do banguense Márcio Nunes. E o Doutor, recobrando a forma, só estrearia em 1986. Na Taça Guanabara, até Bebeto chegou a ser baixa, atuando só em seis dos 11 jogos. Mas na Taça Rio ele voltaria à grande fase, o time levaria o turno e avançaria ao triangular final. O Fla acabaria em terceiro, mas o baiano foi seu artilheiro no torneio (10 gols) e no ano (26 gols).
ASSUMINDO A RESPONSABILIDADE
O time rubro-negro ressurgiria completo no Fla-Flu que abria o Estadual de 1986. No 4-4-2 de Sebastião Lazaroni, com Adílio de falso ponta pela esquerda, Bebeto fazia as vezes de segundo atacante, encostando no ágil centroavante Chiquinho. E marcaria o terceiro na goleada de 4 a 1 que contou com atuação histórica de Zico, autor dos outros três gols. No dia seguinte, porém, a equipe seria desmantelada com a convocação da Seleção para treinos visando à Copa. Bebeto ficaria. E conduziria o time ao título carioca após cinco anos de jejum.
Na Taça Guanabara, porém, o título ficaria com um Vasco em que despontava outro garoto sério candidato a maior revelação do futebol carioca: Romário. A revanche de Bebeto e do Flamengo viria na Taça Rio. No Clássico dos Milhões que fechava o turno, em 27 de julho, os rubro-negros precisavam vencer para passar às finais. Os cruzmaltinos, por sua vez, classificados para a decisão do título estadual, mas já sem chance na Taça Rio, jogavam para eliminar de vez o Fla do campeonato e colocar o tricampeão Fluminense de novo nas finais.
Bebeto colocou o Flamengo na frente em outra cobrança de falta espetacular, ao estilo de Zico. Só que o Vasco empatou ainda no primeiro tempo com Romário e virou na etapa final com Roberto Dinamite. Até que aos 34 minutos, Vítor (ex-Fla) bloqueou com a mão um cruzamento de Alcindo dentro da área. Bebeto, outra vez, apareceu para converter o pênalti e empatar. O Vasco se descontrolou e, num contra-ataque, o baiano tocou de calcanhar para Adílio, que devolveu na frente. Paulo Sérgio só espalmou e Júlio César entrou para marcar: 3 a 2.
Com o triunfo e o título da Taça Rio, o Flamengo reencontraria o Vasco nas finais do Estadual numa melhor de quatro pontos em que os rubro-negros entravam em vantagem por terem a melhor campanha geral. O Vasco, porém, confiava em seu ataque arrasador, o mais positivo do certame. Só que Mauricinho, Geovani, Roberto, Romário e companhia passaram em branco contra a defesa do Fla nos três jogos. E no terceiro, em 10 de agosto, Bebeto abriu a contagem e Júlio César (com ajuda de Acácio) fechou os 2 a 0 que valeram o 22º título carioca.
Era a aclamação de Bebeto, o craque do campeonato. Num Flamengo que disputou quase toda a competição esfacelado, muitas vezes sem poder contar – por convocação ou lesão – com astros do quilate de Zico, Sócrates, Leandro, Mozer e Adílio, entre outros, o baiano de 22 anos chamou a responsabilidade e conduziu a equipe ao título que vinha incomodamente escapando da Gávea desde 1982. Para completar, terminaria ainda como o grande goleador rubro-negro daquela campanha vitoriosa, anotando 16 gols em 23 jogos.
Mas de setembro daquele ano até o de 1987 foram 12 meses de anticlímax, o pior momento de Bebeto naquela passagem pelo Flamengo. Primeiro, a falta de entrosamento com o novo reforço para o ataque: o centroavante Kita, da Inter de Limeira, um tipo trombador, pesadão e especialista no jogo aéreo, estilo que divergia de seu jogo ligeiro de toques e deslocamentos. Para piorar, uma fratura no antebraço sofrida contra o Atlético Goianiense em dezembro tiraria Bebeto da reta final da temporada, que se estenderia até o início de 1987.
Para o Estadual, o Fla se reforçaria com o ponta Renato Gaúcho, mas num primeiro momento Bebeto pouco jogaria ao seu lado: em abril, ganharia nova chance na Seleção, desta vez na equipe pré-olímpica dirigida por Carlos Alberto Silva que brigaria por uma vaga nos Jogos de Seul. Mas Bebeto não guardaria boas lembranças do torneio classificatório em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia): fez um gol na estreia contra o Paraguai, mas perdeu pênalti contra a Colômbia e foi o pivô de um incidente com o treinador após o jogo contra a Argentina.
Naquela partida, que abria o quadrangular final do Pré-Olímpico, Bebeto, que havia acertado a trave num lance e feito ótimo passe para João Paulo perder outra chance, não gostou de ter sido substituído ainda no primeiro tempo – o Brasil perderia por 2 a 0 – e desabafou logo ao deixar o gramado: “Você quer me f…”, disse ao treinador, que retrucou furioso, dizendo que mandava no time, fazia o que bem entendesse e não aceitava protestos. Os dois se reconciliariam ainda naquele dia. Mas o atacante teria de esperar outra oportunidade.
Na volta, Bebeto marcaria seu único gol naquele Estadual numa incrível vitória de virada sobre o Olaria no Caio Martins pela Taça Rio, em 24 de maio. Apático, o Fla foi para o intervalo perdendo por 2 a 0. Mas quando Mozer descontou aos 15 da etapa final, a reação começou. Aos 38, Kita escorou um chute cruzado de Marquinho e empatou. Logo em seguida, Bebeto acertou o travessão. Mas no último lance, numa jogada confusa em meio à chuva e ao gramado enlameado, ele recebeu de Kita e tocou meio de letra para decidir a partida: 3 a 2.
HOMEM-GOL DO TETRA BRASILEIRO
Mas aquele Flamengo dirigido por Antônio Lopes não se acertava. E após perder o título carioca para o Vasco, obter resultados irregulares numa excursão à América do Norte e largar na Copa União (o Brasileirão daquele ano) com uma derrota em pleno Maracanã para o São Paulo por 2 a 0, o técnico pagou com cargo. Em seu lugar entraria Carlinhos, que conhecia Bebeto desde os juniores e estrearia na segunda rodada no clássico com o Vasco tendo como missão consertar a escalação inteiramente equivocada de Lopes no jogo anterior.
A rigor, somente o goleiro Zé Carlos, o lateral-direito Jorginho e Zico mantinham suas funções. Na zaga, os experientes Leandro e Edinho, barrados por Lopes, retornavam. Na lateral-esquerda, o jovem Leonardo, 17 anos, entrava no lugar do improvisado Aldair. No meio, Andrade voltava a ser primeiro volante, tendo agora o dinâmico Aílton como o pulmão do time. Na frente, Renato se soltava da ponta e jogava livre, Bebeto era deslocado da esquerda para o centro no lugar de Nunes, fazendo entrar Zinho como falso ponta, compondo o meio-campo.
Bebeto, aliás, tornava-se o dono da camisa 9 depois de perambular por todas as posições do ataque: já havia jogado campeonatos inteiros como ponta-de-lança, vestindo a 10, ou ponta-direita, usando a 7, além de vez por outra ser deslocado para a esquerda. Mas no esquema de Carlinhos, não se tratava puramente de um atacante de área – afinal isso seria aniquilar um de seus grandes trunfos: a movimentação incessante que confundia a marcação adversária. “Quem disse que ele é o centroavante?”, despistava o matreiro treinador rubro-negro.
No clássico, Bebeto até fez um gol típico de centroavante, abrindo o placar ao escorar de cabeça um cruzamento de Renato da esquerda. Ao fim, o Fla venceu por 2 a 1 e se reabilitou, embora ao longo daquele primeiro turno, em virtude dos muitos desfalques, a campanha tenha sido bastante irregular. No segundo, sua grande atuação do atacante seria justamente em Salvador, na importante vitória (2 a 0) sobre o Bahia na Fonte Nova: ele bateu o escanteio que culminou no gol de Zinho e fez o segundo, aproveitando um erro do zagueiro Pereira.
Apesar das boas atuações, Bebeto só marcou esses dois gols na fase de classificação do torneio. E no jogo de ida das semifinais, diante do Atlético Mineiro no Maracanã, vinha mal – como todo o time – num travado 0 a 0 e ouvia os mais de 110 mil torcedores presentes pedirem sua saída. Até que, aos 33 minutos da etapa final, Zico recebeu de Jorginho e passou pelo alto para Bebeto, com o lateral fazendo o corta-luz. O atacante chutou enviesado, a bola quicou na grama e encobriu o goleiro João Leite. Era o gol do alívio e da vitória.
O resultado encerrava a invencibilidade do Atlético de Telê Santana naquele Brasileiro. Mesmo assim, o time mineiro ainda era apontado como favorito, e uma vitória simples em Belo Horizonte o colocaria na final. Só que o Fla resolveu aprontar diante do então “bicho papão” da competição. Dos pés de Bebeto sairiam, ainda na etapa inicial, o cruzamento para o gol de Zico, que abriria o placar, e o segundo tento rubro-negro, marcado por ele próprio depois que o zagueiro Batista cortou mal um centro de Renato Gaúcho pela direita.
O time mineiro até chegaria ao empate no segundo tempo, mas não à virada. E um gol antológico de Renato selou a passagem do Flamengo à final, na qual teria o Internacional como adversário. Nos dois jogos, Bebeto seria novamente o homem-gol. No Beira Rio, marcou o tento rubro-negro no valioso empate em 1 a 1 ao escorar com uma perfeita cabeçada o cruzamento de Renato, além de ter acertado o travessão com uma belíssima bicicleta. E no Maracanã, chegou antes de Taffarel para marcar o gol da vitória (1 a 0) e do tetracampeonato brasileiro.
O desempenho crucial na reta final, em que marcou gols em cada uma das partidas do mata-mata, alçou Bebeto ao posto de artilheiro do Flamengo na campanha, com seis gols. Coincidência ou não, antes do duelo contra o Atlético no Maracanã, o atacante recebeu um presente trazido de Salvador por seu pai: um par de chuteiras benzidas por todos os orixás. E foi calçando esse par que ele derrotou atleticanos e colorados e abriu os caminhos para o tetra rubro-negro – embora sua contribuição seja, por vezes, um tanto subestimada.
CARRASCO DOS CRUZMALTINOS
Bebeto começou 1988 como terminara 1987: balançando as redes. A rodada de abertura do Estadual daquele ano marcava logo de cara um Clássico dos Milhões e, para variar, o atacante fez o gol da vitória por 1 a 0 em lance idêntico ao seu gol contra o mesmo rival na Copa União: cabeçada após cruzamento de Renato da esquerda. A partida acabaria encerrada precocemente devido à falta de luz nos refletores do Maracanã – o que levou os vascaínos a sorrateiramente deixarem o estádio e depois tentarem anular o jogo no tapetão: não colou.
Ao longo de sua carreira no Flamengo, uma das especialidades de Bebeto, aliás, seria fazer gols no Vasco. Ao todo foram 13 marcados nos 22 clássicos dos quais participou entre 1984 e 1996, números que o colocam como o quarto maior goleador rubro-negro na história do confronto, atrás apenas de Zico, Leônidas da Silva e Pirillo. E com média semelhante à de Ademir de Menezes, o histórico goleador do chamado “Expresso da Vitória” do Vasco da virada da década de 1940 para a de 1950. Sem dúvida, o baiano era um algoz dos cruzmaltinos.
Naquele Estadual de 1988, o clube também voltaria a utilizar com frequência o estádio da Gávea para jogos oficiais e num deles Bebeto faria história, marcando quatro vezes na goleada de 6 a 0 sobre o Goytacaz em 28 de maio pela última rodada da Taça Rio, resultado que rebaixou o time campista. Era a primeira vez em quase 30 anos que um jogador rubro-negro anotava aquele número de gols numa mesma partida no estádio: o último havia sido Dida, que fez cinco (ou seis, segundo algumas fontes) nos 8 a 0 sobre o Olaria em agosto de 1958.
O Flamengo venceria a Taça Guanabara, mas o Vasco é que acabaria rindo por último ao vencer os dois turnos seguintes e a decisão do Estadual. Para Bebeto, restou a honra de ser o artilheiro não só do time como do campeonato com 17 gols (um a mais que Romário). A grande fase seria recompensada com o retorno gradual à Seleção de Carlos Alberto Silva, que se preparava para os Jogos Olímpicos de Seul. Bebeto começou o torneio na reserva, mas logo ganhou a posição e formou, pela primeira vez, a dupla histórica com o Baixinho.
O atacante rubro-negro anotaria dois gols naqueles Jogos Olímpicos, ambos na primeira fase, quando começava as partidas no banco: fechou a goleada de 4 a 0 sobre a Nigéria na estreia e marcou o segundo nos 2 a 1 sobre a Iugoslávia na terceira rodada. O Brasil fez ótima campanha, mas acabou conquistando apenas a medalha de prata após perder a final de virada para a União Soviética na prorrogação. De todo modo, naquele momento despontava uma dupla de frente que faria muito sucesso e marcaria época na Seleção Brasileira.
Bebeto voltaria do torneio olímpico ainda em ponto de bala: em seu primeiro jogo no Brasileirão de 1988, a vitória de 3 a 0 sobre o Criciúma no Maracanã, ele balançaria as redes duas vezes e faria o passe para Zico encher o pé da entrada da área e anotar um de seus gols mais marcantes. Mas no segundo turno é que o atacante baiano teria papel fundamental para a classificação rubro-negra às quartas de final da competição, marcando seis gols nas nove partidas que disputaria e ajudando a somar pontos preciosos na briga pela vaga.
Além de balançar as redes nas vitórias de 2 a 1 sobre Sport (no jogo que chegou a ser considerado o “tira-teima” sobre o título de 1987) e Atlético Paranaense e no empate em 1 a 1 diante do Palmeiras (quando o centroavante Gaúcho, então no adversário, foi para o gol e levou a melhor nos pênaltis), Bebeto decidiu o Fla-Flu daquele campeonato, marcando logo no início o gol da vitória por 1 a 0, e brilhou ao fazer os dois gols na vitória por 2 a 0 sobre a Portuguesa num Canindé lotado, em outro confronto direto pela classificação.
Ao fim daquela primeira fase, mesmo jogando cerca de metade dos jogos do Flamengo (12 de 23), Bebeto era o vice-artilheiro do campeonato, com nove gols. O torneio, no entanto, sofreria uma pausa de mais de um mês para as férias na virada do ano, o que quebraria o embalo em que a equipe vinha naquela reta final do segundo turno. Os rubro-negros dariam adeus ao sonho de mais um título nacional nas quartas de final diante do Grêmio com um empate no Olímpico em 0 a 0 e uma derrota dentro do Maracanã por 1 a 0.
OS ÚLTIMOS MESES NA GÁVEA
Bebeto havia se sagrado em 1988 o artilheiro do Flamengo pelo quarto ano seguido. E com folga: marcou 34 gols contra apenas nove do segundo colocado, Alcindo. Mas no começo da temporada seguinte, após a eliminação no Brasileiro, o técnico Telê Santana cogitava recuar o jogador para o meio-campo, escalando-o como ponta-de-lança (tendo Zico mais atrás na função de armador), e buscar um homem de área, um típico camisa 9. O Fla até acertaria a contratação do banguense Nando, mas felizmente o técnico logo mudaria de planos.
Quem o faria desistir daquela ideia seria o meia Renato (também conhecido como Renato Carioca ou Renato Laércio), jogador talentoso, criativo e com boa presença de área revelado no America em meados da década – havia sido o grande cérebro da equipe rubra semifinalista do Brasileirão de 1986 – e que chegara à Gávea no meio de 1988. Telê, porém, pouco havia contado com ele até ali. Mas não demorou para se convencer de que não precisaria mudar seu goleador de lugar: Renato faria a função antes cogitada para Bebeto.
O Flamengo da Taça Guanabara de 1989, especialmente na metade final do turno, foi um time de brilho intenso, embora fugaz. Além de uma defesa jovem e em plena forma, com Zé Carlos no gol, Jorginho e Leonardo nas laterais e a nova dupla de zaga Aldair e Zé Carlos II, a equipe de Telê trazia, do meio para frente, o dinâmico Aílton carregando o piano; Zico mais recuado, lançando e distribuindo o jogo; e um quarteto ofensivo muito veloz, com Sérgio Araújo (depois Alcindo) e Zinho pelas pontas, Bebeto e Renato Carioca por dentro.
Nas últimas cinco rodadas do turno, aquela equipe fez 4 a 0 na Cabofriense, 3 a 0 no Olaria, 4 a 0 no Fluminense, 8 a 1 no Nova Cidade e um categórico 3 a 1 sobre o Vasco que poderia ter sido bem mais amplo, tamanho o seu volume de jogo. Ao todo foram 30 gols em 11 partidas naquela Taça Guanabara. Na Taça Rio, entretanto, o Flamengo acumulou tropeços bobos, perdeu pontos que não poderia perder e viu os canecos do turno e depois do Estadual pararem nas mãos do Botafogo, que encerrou seu jejum de 21 anos sem título carioca.
O consolo para o Fla viria de ter feito os dois goleadores da competição: pelo segundo ano seguido Bebeto foi o artilheiro, desta vez disparado, com 18 gols (para variar, balançando as redes vascaínas em ambos os turnos), e Renato Carioca veio logo atrás, marcando 12. O excelente desempenho individual de Bebeto garantiria ainda a convocação para a Seleção Brasileira – agora dirigida por Sebastião Lazaroni, seu antigo treinador na Gávea – que disputaria a Copa América em solo brasileiro logo na sequência, no mês de julho de 1989.
O Brasil teve início turbulento na competição, com más atuações nos três jogos iniciais em Salvador, e Bebeto chegou a ser barrado, vindo do banco no empate (0 a 0) com a Colômbia. Mas na última rodada voltou ao time titular e marcou os dois gols da vitória de 2 a 0 sobre o Paraguai que confirmaram a classificação do escrete ao quadrangular final, a ser jogado no Maracanã. Nele, o atacante rubro-negro brilhou: um golaço com seu tradicional voleio na vitória sobre a Argentina de Maradona (2 a 0) e outros dois contra o Paraguai (3 a 0).
Na última rodada do quadrangular final, o Brasil derrotou o Uruguai por 1 a 0 e se sagrou campeão da competição depois de 40 anos, além de espantar de vez o trauma do Maracanazo da Copa do Mundo de 1950. Para os rubro-negros, havia um orgulho extra: Bebeto havia terminado o torneio como o artilheiro isolado, somando seis gols. Porém, enquanto a Copa América se desenrolava, nos bastidores (mais exatamente na concentração da Seleção) já se alinhavava uma das transferências mais controversas da história do futebol brasileiro.
A TRAUMÁTICA TRANSFERÊNCIA
A saída de Bebeto do Flamengo para o arquirrival Vasco, com sua cronologia completa e em todas as suas minúcias, valeria um texto só para ela aqui no blog. Por ora, podemos relembrar os principais personagens envolvidos na negociação. A começar pelo próprio Bebeto, que, com a iminente aposentadoria de Zico (o Galinho pensava em se retirar já ao fim do Estadual), estaria prestes a assumir o status de maior ídolo e principal nome do time. Era, porém, um jogador em alta no mercado, sobretudo pelo que mostrava na Seleção.
Inicialmente, o contrato de Bebeto venceria no fim de fevereiro. Mas logo foi acertada uma extensão de quatro meses, até 30 de junho. Nesse meio tempo, o procurador do jogador, José Moraes, fazia questão de declarar a todo momento que a permanência de Bebeto na Gávea para além disso era difícil. Antes de ir para o Vasco, aliás, o atacante esteve bem perto de ser vendido ao Bayern de Munique por US$ 2 milhões, numa negociação que se arrastou do fim de abril (logo após a conquista da Taça Guanabara) até o início de junho.
Também nesse meio tempo houve a eleição para a Presidência do Flamengo, no dia 12 de maio, vencida pelo candidato da situação, Gilberto Cardoso Filho, para suceder Márcio Braga no cargo. E quem se manteve intocável como integrante das duas diretorias foi outro personagem-chave do caso, o vice de Finanças Josef Berenzstejn. Foi ele quem conduziu a maior parte das negociações para a segunda renovação do vínculo do jogador. E desde o princípio tratou de jogar duro e manter os valores bem abaixo da pedida do jogador.
O Vasco só entrou na história em 1º de julho, o dia seguinte ao fim do contrato de Bebeto com o Flamengo, quando seu presidente Antônio Soares Calçada consultou José Moraes sobre a situação da renovação do atacante com o clube da Gávea. E havia um claro impasse. Segundo a revista Placar, a pedida inicial de Bebeto era de US$ 200 mil por um ano de contrato. Mas, numa reunião com Moraes e outros dirigentes rubro-negros no dia 4 de julho, Josef Berenzstejn contrapropôs com US$ 115 mil e foi taxativo: “Não damos um centavo a mais”.
Berenzstejn também não levou fé quando Moraes disse haver outro clube brasileiro disposto a arcar com o que o jogador pedia. Acreditava se tratar de um blefe, afinal, em suas palavras, “nem o Flamengo, nem qualquer outro clube brasileiro tem condições de pagar isso”. Outro cético – que logo se revelaria ingênuo – era Gilbertinho: após o interesse do Vasco ser ventilado na imprensa, ele disse ter recebido de Calçada a garantia de que o rival “jamais faria uma coisa dessas, nem se o passe do Bebeto fosse fixado em 10 centavos”.
O Vasco, porém, contava com dois trunfos. Um era o cofre recheado: nos 12 meses anteriores, o clube havia arrecadado mais de NCz$ 23 milhões com a venda de jogadores, entre eles Romário para o PSV em meados de 1988 e Geovani para o Bologna semanas antes. Era dinheiro suficiente para comprar o passe de Bebeto, fixado pelo Fla na federação em – impagáveis, acreditava-se – NCz$ 7,68 milhões, diante da falta de acordo pela renovação. O que soava como uma forma de pressionar o jogador a recuar em sua pedida salarial.
Outro “trunfo” cruzmaltino, por assim dizer, atendia pelo nome de Eurico Miranda, que na época incrivelmente ocupava o cargo de Diretor de Futebol da CBF. Embora estivesse licenciado do clube, Eurico usou de sua posição e de sua relação direta com os jogadores convocados para a Seleção Brasileira para abordar Bebeto na concentração do escrete, no antigo Hotel Intercontinental, em São Conrado, Zona Sul do Rio, e discutir com o atacante os detalhes do contrato proposto pelo Vasco, num caso evidente de aliciamento.
Quando os dirigentes do Flamengo se deram conta de que havia, sim, outro clube na parada e que esse clube era o Vasco, correram atrás para tentar consertar a bobagem que haviam feito e foram a Teresópolis (onde a Seleção se preparava para as Eliminatórias da Copa) para oferecer a Bebeto os mesmos valores acertados com os cruzmaltinos – e, de passagem, ainda tiveram de aguentar a provocação de Romário, que gritava pelo local que “Bebeto já é do Vasco”. Mas o atacante não voltou atrás em seu trato com o novo clube.
Bebeto demonstrava mágoa pelo descaso com que foi tratado pelos dirigentes rubro-negros ao longo das conversas sobre sua renovação, em especial de Gilbertinho, que teria dito ao jogador que ele “não está com essa bola toda” quando o atacante colocou sua pedida. Era um sentimento semelhante ao de Zizinho em 1950 ao saber que era considerado negociável pelo presidente rubro-negro de então, Dario de Mello Pinto, e declarar em seguida: “Agora quem quer ir para o Bangu sou eu”. Para a torcida, o choque também foi o mesmo.
De início, a revolta dos torcedores se virou contra os dirigentes rubro-negros e contra José Moraes. Com o tempo, porém, foi colada no jogador – e só nele – a pecha de “traidor”. Não importava mais que os cartolas da Gávea tivessem menosprezado o ídolo do próprio clube e barganhado até demais na renovação. Nem que Gilbertinho deixara-se ludibriar por Calçada. Ou que Eurico tentasse aliciá-lo. Ou que o procurador de Bebeto tratasse sempre de jogar lenha na fogueira na relação do atacante com o clube para lucrar com uma transferência.
Ao fim de 1989, Bebeto era campeão brasileiro com o Vasco, enquanto o Fla assistira ao seu substituto, o argentino Claudio Borghi, naufragar após poucas partidas. O agora ex-rubro-negro ainda seria eleito o Rei da América pelo jornal uruguaio El País e ficaria em terceiro entre os melhores do mundo na enquete da revista inglesa World Soccer, só atrás dos holandeses Ruud Gullit e Marco Van Basten, do Milan. E, por ironia, terminaria como o artilheiro do Fla na temporada, mesmo só tendo jogado até junho. Estava, sim, com a bola toda.
NO FIM, A VOLTA DISCRETA
Muita água rolou entre a saída de Bebeto, em julho de 1989, e a volta à Gávea, na reapresentação em 3 de junho de 1996: fases boas e más no Vasco; a desistência de disputar a Copa América de 1991 após se desentender com o técnico da Seleção, Paulo Roberto Falcão; a carreira europeia de quatro boas temporadas com o espanhol Deportivo La Coruña; e o tetra da Copa do Mundo com a Seleção em 1994, nos Estados Unidos. Bebeto seria o grande reforço do Fla para o segundo semestre daquele ano e se dizia feliz por “voltar para casa”.
Na volta ao Flamengo, a expectativa era de reeditar a dupla com Romário, mas enquanto Bebeto entrava por uma porta, o Baixinho saía pela outra, vendido ao Valencia em julho, pouco depois da conquista do Estadual. Os dois atuariam juntos pelo Fla apenas duas vezes, sem vencer. A primeira na reestreia de Bebeto, em 3 de julho, num amistoso com o Corinthians (2 a 2) em Manaus. De lá, o novo reforço se juntou à Seleção que disputaria os Jogos Olímpicos de Atlanta e levaria o bronze sob o comando de Zagallo. Só voltaria em agosto.
Com o elenco rubro-negro começando a ser desmontado (na lateral-direita, por exemplo, para o lugar do selecionável Zé Maria chegava o assaz questionável equatoriano Rivera), a campanha naquele Brasileirão seria bem oscilante e, no fim, frustrante, como vinha se tornando o habitual para os rubro-negros naquela década. Logo na terceira rodada, a derrota por 1 a 0 para o Juventude na Gávea deflagrou a primeira crise: Bebeto, que já era visto com desconfiança por parte da torcida, foi vaiado e teve de ouvir os pedidos pela volta de Romário.
No meio disso tudo, o desempenho individual de Bebeto naquele Brasileiro seria até bem aceitável: foi o artilheiro do time com sete gols em 14 jogos (pela Supercopa ele atuaria quatro vezes, sem marcar). Mas antes do fim do torneio, ele já estava outra vez de malas prontas, vendido ao Sevilla em novembro – mas a tempo de jogar mais uma vez com Romário, que retornara, na derrota por 2 a 1 para o Internacional no Maracanã, em 27 de outubro. Retrato do intenso vai e vem de jogadores que era o futebol do clube naquele período.
Curiosamente, naqueles últimos dias do atacante no Flamengo uma faixa escrita “Fica Bebeto” chegou a ser pendurada por torcedores no alambrado da Gávea. Sinal de que nem todo mundo tinha birra ou mesmo ódio do jogador. Aliás, outra evidência era o fato de Bebeto ter sido incluído no “esquadrão dos sonhos” do Flamengo (ou o melhor Fla de todos os tempos) eleito por rubro-negros ilustres em enquete publicada pela Placar em novembro de 1994. Recebeu votos de dez das 32 personalidades que opinaram e formou o ataque com Joel e Leônidas.