PRÓLOGO ou E AÍ, CHEFIA? QUEM VAI SER O CAMPEÃO?
“Então, chegamos aos finalmentes desse Campeonato Carioca de 1974. O último do estado da Guanabara, aliás, já que vira tudo Rio de Janeiro no ano seguinte. Temos aí esses três times que chegaram ao triangular final: America, Vasco e Flamengo, os papões dos turnos.
De fora ficou o Fluminense, comandado em campo por um veterano Gerson e no banco por um quase novato Carlos Alberto Parreira. O Botafogo do Zagallo, sem Jairzinho e sem nunca ter nem ameaçado brigar por algum dos turnos. E os pequenos, que fazem um brilhareco ou outro aqui e ali, mas sempre sobram na hora de comer o filé.
O America é o time mais comentado. Joga o fino da bola. O melhor deles, desde o último título, em 1960. Talvez até mais técnico. Mas se é estilista demais, cheio de tico-tico-no-fubá, às vezes se perde na hora de decidir. Ganhou a Taça Guanabara, mas ficou de vice no segundo e terceiro turnos. Tem Edu, Bráulio, Ivo, Orlando Lelé, Alex, Flecha, esse menino Luisinho, que periga ser o artilheiro do ano. Danilo Alvim, que sabia tudo de bola, é o técnico.
Depois vem o Vasco. ‘Só‘ o campeão brasileiro. Time tarimbado, cascudo, taí. Miguel e Moisés, zaga quase intransponível. Se a bola passa, o atacante fica. E ainda Fidélis, Andrada, Luís Carlos, Alcir, Alfinete, Zanata, esse menino Roberto, que também tá na briga entre os fazedores de gol. Mário Travaglini, paulistano, campeão aqui e lá na terra dele, é o treinador.
E então tem o Flamengo. Que botou pra quebrar na primeira fase do Brasileiro, mas faltou cancha na hora de decidir. Que só se garantiu nesse triangular do Carioca no último pio da coruja, ganhando um terceiro turno quase perdido, depois que deu aquela vacilada caindo pro Bonsucesso de 2 a 1 dentro do Maracanã. O problema do Flamengo, dizem, é que botou pra fora os medalhões, Paulo César Caju, Dario, Chiquinho Pastor, Rogério, Afonsinho, Zagallo, tudo homem de Seleção. Será? De experiente, ficou só um ou outro, tipo o Liminha e o Doval. E a molecada. Mais parece um berçário esse time do Joubert.
Dizem também que os cartolas lá da Gávea andaram marcando bobeira, tirando o bicho de empate contra os pequenos, que ficaram mordidos. Por isso tanto tropeço em jogo bobo, derrota pro Madureira, pro Bonsucesso, empate com o Bonsucesso, com o Bangu, com o Campo Grande (duas vezes). Agora acabaram com esse papo porque só tem grande. E contra grande, o Flamengo andou fazendo o dele. Mas e essa molecada? Será que vai? Sei não…”
DE SAÍDA, FLAMENGO X AMERICA
“Uma semana depois da decisão do terceiro turno, os dois times estão de volta ao Maracanã. Da última vez deu Mengo 2 a 1, de virada, com um gol do meio da rua desse menino Junior, o lateral-direito que o Flamengo puxou dos juvenis já no terceiro turno, depois que nem o Aloísio nem o Humberto Monteiro acertaram por ali.
E desta vez, dá quase tudo igual, exceto a virada. o Fla abre a contagem com Jaime, zagueiro, outro menino, depois de um bololô na área na cobrança de córner. Depois, ah, depois… Depois o menino Junior senta o sapato de novo do meio da rua. Só que dessa vez com classe. O time do America parou reclamando de qualquer coisa que nem eles mesmos sabem explicar, um bate-boca entre eles, e a bola saindo do pé do Junior, encobrindo sem dó nem piedade o goleiro americano Rogério.
Outra vez. Que coisa, não? Eles até descontaram depois com o Manoel, atacante que saiu do banco. Mas parou nos 2 a 1 mesmo. A péssima foi perder o Doval logo no início. Foi dividir uma bola com o Alex e os dois se machucaram. Estão fora. Mas tá o Flamengo na briga!”
SÓ ESPIANDO: VASCO X AMERICA
“Na quarta à noite, o America joga suas últimas castanhas contra o Vasco, que, por sua vez, quer vencer bem para não chegar em desvantagem para pegar o Flamengo no domingo. O Vasco sai na frente, mesmo jogando pior; o America empata; depois o Jorginho Carvoeiro leva a bola no braço, é derrubado pelo Mareco na área e o Arnaldo dá o pênalti e não a falta no início da jogada. Bola na cal, bola na rede. Vasco 2 a 1. Mas aí, só de sacanagem, o America prega uma peça no fim com o Edu, aos 38 do segundo tempo. Dois a dois. E o Fla joga pelo empate.”
A HORA DO ‘VAMOS VER’: FLAMENGO X VASCO
“Maracanã explodindo de gente nesse 22 de dezembro. São mais de 165 mil pessoas lá dentro. Tensão a mil. Só não bateu recorde de público porque faltou ingresso. E porque a Adeg abriu os portões assim que a bola começou a rolar. Mas bateu o de renda.
Entra no gramado uma garotinha com a faixa ‘Flamengo deseja Feliz Natal’. Entra o Flamengo, entra o Vasco. Os dois times escalados. O Vasco praticamente o mesmo da final do Brasileiro, só trocou o Ademir pelo Galdino aberto na ponta-esquerda. E o Flamengo vem como pode. Sem Liminha, sem Doval. E com Paulinho, 22 anos. Zico, Jaime e Julinho, 21 anos. Edson, Junior, Geraldo (esse menino que jogou uma enormidade contra o America), 20 anos.
Bola rolando, Vasco precisando de gol, mas só dá Flamengo, que chega primeiro em todas as divididas. Lá vai Zico – esse menino bom de bola, craque do Brasileiro de 74 e que esse ano já bateu o recorde de gols do Dida em uma temporada. Dribla um, dribla dois, entra na área, dá um toque tirando do Andrada, gol aberto, vai entrando… mas aparece o Alfinete, em cima da linha, pra cortar. Quase fez contra, na verdade. Mas aí o Vasco teve sorte.
O Fla dá uma esfriada, o Vasco tenta apertar porque precisa. Mas aí só dá a defesa do Flamengo. Junior bota no bolso o Galdino. Do outro lado, em cima de Rodrigues Neto, Jorginho Carvoeiro não se cria. E não tem pra Miguel nem pra Moisés. Xerifes em campo mesmo são o Jaime e o Luis Carlos. Sempre muito sério, esse becão que os cartolas do Mengo foram buscar lá no Corinthians pra empunhar a braçadeira.
Sem falar em Zé Mario, o dono do meio-campo. Manda prender e manda soltar, o baixinho gigante da cabeça-de-área do Mengão. Tá em todo lugar, correndo, marcando, fechando a porta pros vascaínos. E quando, por algum motivo, eles conseguem chegar, aparece o Renato pra espalmar.
O tempo vai passando, o Vasco não consegue fazer o seu, é um desespero pelos lados da Colina, o Flamengo perde um, dois contra-ataques, perde um lance inacreditável com esse menino Ivanir (21 anos cravados, entrou no lugar do Julinho, 21 anos e três meses – o banco do Fla é mais moleque ainda), com o Andrada saindo da área, mas se recuperando pra cortar de carrinho o cruzamento. Que sufoco, gente boa.
E enfim, quando a tensão nos 200 mil é quase insuportável, vem o apito. Fim de papo, a molecada do Fla é campeã carioca. Tem faixa, volta olímpica, entrevista pra rádio, Doval – que mesmo de fora fez questão de ver o jogo do túnel – abraça Rodrigues Neto, e coisa e tal.
No jornal de segunda-feira teve um ou outro bacana aí que não gostou do jogo, achou o Mengo muito defensivo, o Vasco decepcionante na hora de atacar e não sei mais o quê. Mas peraí, irmão. Quem é que precisava ganhar a todo custo? E quem é que era o cascudo, o malandrão, o que pra ganhar bastaria o Moisés falar grosso e bater o pé no chão que a meninada do outro lado ia tremer toda e fugir assustada? Era o Flamengo?
Não, não, irmão. Tá certo isso não. Isso é coisa de quem cravou Vasco seco no bolão, certo de que os experientes lá da Colina papariam fácil essa meninada da Gávea, e agora fica aí resmungando pela graninha que bateu asas. Mas futebol não é assim, não. O Flamengo entrou com muito mais fome de bola e levou a taça. E escreve o que eu tô te dizendo: esses garotos aí, Zico, Junior, Geraldo, tudo moleque de personalidade. Esses aí vão dar muitas alegrias pro povão rubro-negro. Papo garantido, que eu não costumo errar. Falei e disse.”
(Zé do Mengão, 35 anos, morador do Méier, chofer de praça e cronista esportivo nas horas vagas)