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1972, 1973, 1984, 1985, 2000, 2001, Campeonato Brasileiro, Campeonato Carioca, Copa dos Campeões, Taça Guanabara, Zagallo
Indiscutivelmente um dos grandes vitoriosos do futebol brasileiro, Zagallo levantou títulos pelo Flamengo em campo e também fora dele, em suas três passagens como técnico. No texto anterior (leia aqui), relembramos não só suas conquistas vestindo rubro-negro como o jogador revolucionário que foi. Agora nos dedicamos a recordar alguns de seus grandes momentos no comando do Fla, que incluem jogos marcantes da história do clube.
1. FLAMENGO 1×0 BENFICA (Torneio de Verão, 15/01/1972)
Quase 14 anos depois de trocar o Flamengo pelo Botafogo ainda como jogador, Zagallo voltou à Gávea para substituir seu veterano mestre Fleitas Solich no cargo de técnico. O time rubro-negro havia feito uma temporada de 1971 para esquecer, e a diretoria tratou de se mexer contratando, logo no dia 3 de janeiro de 1972, o treinador mais badalado do país, que se dividiria entre o clube e a Seleção Brasileira como vinha fazendo desde março de 1970. E entregaria a ele um elenco substancialmente reforçado em relação ao ano anterior.
Além de bater o valor recorde de transferências no país (cerca de Cr$ 2 milhões) ao contratar do próprio Botafogo o ponta Paulo Cézar Caju, o Fla trouxe de volta o atacante argentino Doval de seu empréstimo ao Huracán, para onde tinha ido após brigar com o antigo técnico rubro-negro Yustrich. Outros dois nomes também retornavam de empréstimos: o experiente lateral-esquerdo Paulo Henrique (que jogou pelo Botafogo em 1971) e o atacante Caio, que havia sido cedido ao America, por quem se destacou no Brasileirão.
Outra volta aguardada era a do meia Zanata, que fraturara a perna num choque com Tostão num amistoso entre as seleções carioca e mineira em Belo Horizonte em junho. E havia as boas opções que já figuravam no elenco, especialmente no ataque, casos do driblador ponta-direita Rogério (ex-Botafogo), do centroavante Dionísio, do ponta-esquerda Arílson, do curinga Rodrigues Neto – que poderia se encaixar em diversas posições – e de um garoto promissor promovido da base por Solich no ano anterior: o meia-atacante Zico, de apenas 18 anos.
E havia um jogador que aparentemente tinha seus dias contados na Gávea: o ponta de lança Fio, cria da base, que estreara no time de cima em 1965. Irmão mais novo do ponta Germano (que chegara à Seleção e trocara o Fla pelo Milan em 1962), Fio era um jogador imprevisível: era capaz de fazer uma jogada de craque num instante e em seguida tropeçar na bola. Mas era carismático, com jeito simples, suas tiradas espirituosas, corpo troncudo, jeito de andar meio desengonçado e, sobretudo, sua pronunciada arcada dentária.
Zagallo havia colocado Fio na lista de dispensas, e o clube costurava com o Grêmio uma troca pelo centroavante Alcindo. Na equipe organizada, fria, disciplinada taticamente e mortal nos contra-ataques proposta pelo técnico não haveria espaço para um jogador tão irregular como Fio, ainda que fosse ele um indiscutível ídolo da massa rubro-negra. Mas uma série de baixas – Doval fora de forma, Dionísio voltando de fratura e Zico devolvido aos juvenis para completar sua formação – trouxeram Fio de volta ao grupo dos relacionados.
Após empatar com o Botafogo (1 a 1) e derrotar o Santos (1 a 0) nos dois primeiros amistosos do ano no Maracanã, o Flamengo disputaria o Torneio Internacional de Verão, um triangular contra o Vasco e o Benfica. E o primeiro jogo seria contra os Águias no dia 15 de janeiro, diante de pouco mais de 44 mil pagantes. Mais inteiro, uma vez que sua temporada na Europa estava em pleno andamento, o Benfica dominou o primeiro tempo e poderia ter inaugurado o placar num chute de Jordão da pequena área aos 21 minutos.
Letárgico, o Fla não conseguia dar sequência às jogadas, preso na marcação do Benfica, e a torcida pedia a entrada de Fio, sem sucesso. Até que Zagallo não teve escapatória depois que Arílson se chocou com Malta da Silva e ficou sentindo o joelho, sem ter como voltar para o segundo tempo. Fio entrou na ponta de lança, com Paulo Cézar Caju passando à ponta-esquerda. E mais tarde, depois que Caio deu lugar a Samarone, passou a ser o jogador mais adiantado do ataque. Até fazer a jogada que o consagraria aos 33 minutos.
Reyes desarmou Jordão na entrada da área, passou a Samarone, que entregou a Rogério na ponta. E este passou a Fio. O atacante que viera do banco trocou passes com Rogério, arrancou nas costas da exposta defesa benfiquista, ganhou na corrida de Artur Correia, livrou-se de Rui Rodrigues já dentro da área, e ficou então apenas com o goleiro José Henrique pela frente. Com um toque, deu uma meia-lua no arqueiro, jogando a bola de um lado e apanhando pelo outro, antes de tocar para as redes. Um golaço que viraria até música.
“Não posso dispensar um jogador desses”, disse Zagallo após a partida. O Flamengo conquistaria o torneio após vencer o Vasco por 1 a 0, gol de Paulo Cézar Caju, e Fio permaneceria na Gávea até o início do ano seguinte, sempre entrando e saindo do time. Mas naquela noite no Maracanã, ele havia escrito seu nome na história do Flamengo e no folclore do futebol brasileiro – e da canção popular do país: virou “Fio Maravilha”.
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2. CORINTHIANS 1×2 FLAMENGO (Torneio do Povo, 17/02/1972)
Após o Torneio de Verão, o Flamengo disputaria a segunda edição do Torneio do Povo, que reunia os clubes de maior torcida nos principais estados brasileiros. Nos dois primeiros jogos, a equipe venceu o Bahia na Fonte Nova (1 a 0) e o Atlético Mineiro no Maracanã (2 a 0). No duelo seguinte, contra o Corinthians de Rivelino no Pacaembu, uma vitória deixaria o título quase encaminhado. E foi o que aconteceu: “realizando uma exibição espetacular”, como escreveu o Jornal do Brasil, os rubro-negros levaram a melhor pelo placar de 2 a 1.
“O time carioca mostrou um futebol de alto nível, em que predominou o conjunto, dentro de um sistema idêntico ao usado pela Seleção do Brasil no Mundial do México”, observou a crônica do JB, que também destacou o espírito de luta e a disciplina tática dos rubro-negros. O Flamengo se defendia com oito jogadores e contra-atacava rapidamente com cinco ou seis, enquanto o Corinthians tinha um falso domínio no meio-campo, improdutivo, só tocando a bola sem conseguir furar a defesa do Fla. E abusava da violência.
Foi um jogo tumultuado. O primeiro gol rubro-negro saiu após um lance que paralisou a partida por quase 20 minutos. O atacante Caio tentou tirar com a cabeça a bola das mãos do goleiro Ado, que retrucou com um chute no jogador rubro-negro. O juiz pernambucano Sebastião Rufino marcou pênalti e, no meio da confusão, expulso Ado depois que este tentou agredi-lo. Paulo Cézar Caju converteu a cobrança e abriu o placar. Mesmo nervoso, o Corinthians deu o troco e chegou ao empate logo na saída de bola com Vaguinho.
Mas o Flamengo, muito melhor e mais organizado, voltou à frente antes do intervalo com um golaço de sem-pulo de Doval, após receber de Rogério. Na etapa final, o Flamengo garantiu a vitória com um banho de bola sobre um atarantado e violento Corinthians. No último jogo, um empate em 0 a 0 com o Internacional no Maracanã foi o suficiente para sacramentar a conquista – e Zagallo levantava mais uma taça em seu retorno à Gávea.
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3. FLAMENGO 5×2 FLUMINENSE (Taça Guanabara, 22/04/1972)
Criada em 1965, a Taça Guanabara foi disputada como um torneio isolado até 1971, passando no ano seguinte a valer como o primeiro turno do Campeonato Carioca, apontando um dos finalistas do estadual. E naquela primeira edição no novo formato, a dupla Fla-Flu brigou cabeça a cabeça até o confronto direto na última rodada. Pelo caminho, só haviam perdido dois pontos: os rubro-negros em empates com o Olaria, logo na estreia (1 a 1), e o Botafogo (0 a 0; e os tricolores em igualdades contra Bonsucesso (1 a 1) e Vasco (0 a 0).
Quem esperava uma decisão equilibrada viu, no entanto, um Flamengo avassalador desde o início. Em menos de meia hora de jogo já vencia por 3 a 0. O volante Liminha, ajeitando com o calcanhar e chutando sob pressão, abriu o placar antes de Caio anotar os outros dois e comemorar com as cambalhotas que seriam eternizadas como seu apelido. Na etapa final, Doval fez um carnaval na defesa tricolor e anotou o quarto, antes de o Flu descontar duas vezes. No fim, Caio fechou sua tripleta e celebrou com mais cambalhotas: 5 a 2.
No Jornal do Brasil, Armando Nogueira comentava que o Flamengo de Zagallo “massacrou” o Fluminense “aplicando as mais perfeitas lições que o futebol moderno consagrou nos últimos cinco anos: aproximação em torno da bola; ocupação de todos os espaços no campo defensivo; vantagem numérica, sobretudo na defesa (…); luta implacável em cada palmo de grama e, coroando tudo isso, uma alta dose de simplicidade: a ação individual, até mesmo no solista Rogério, era apenas peça de uma ação coletiva séria”.
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4. FLAMENGO 2×1 FLUMINENSE (Campeonato Carioca, 07/09/1972)
Como treinador de futebol profissional, Zagallo teve um início de carreira estonteante. Nos seus dois primeiros anos, 1967 e 1968, foi bicampeão da Taça Guanabara e do Carioca com o Botafogo. Em outubro de 1969, levou o Alvinegro a mais um título na protelada decisão da Taça Brasil. Em 1970, levantaria a Taça Jules Rimet no México com a Seleção Brasileira. No Fluminense, em 1971, voltaria a ganhar a Taça Guanabara e o estadual, além de conquistar a Copa Roca com a Seleção. E em 1972, a fonte de conquistas seguiu jorrando.
No Flamengo, já de saída, ele conquistou o Torneio Internacional de Verão, o Torneio do Povo e a Taça Guanabara. No meio do ano, entre junho e julho, o estadual foi interrompido pela disputa da Taça Independência (ou Minicopa), mastodôntico torneio de seleções realizado em 12 cidades brasileiras para celebrar os 150 anos da Independência do Brasil. E Zagallo foi mais uma vez campeão dirigindo a Seleção, batendo Portugal na final. E em setembro chegaria a vez de decidir o título carioca, o qual o Fla não vencia desde 1965.
A fase final foi um triangular, e o Flamengo teria pela frente o Fluminense de Gerson e o Vasco de Tostão, campeões do segundo e do terceiro turno, respectivamente. Os cruzmaltinos logo ficaram pelo caminho, derrotados por Fla (1 a 0) e Flu (2 a 0). Realizada numa quinta-feira, feriado de 7 de setembro, a decisão colocou de novo rubro-negros e tricolores frente a frente. Desta vez, o duelo foi bem mais equilibrado, com o Flu melhor no início. Mas aos 20 minutos, Rogério cruzou da direita e Doval subiu mais alto para abrir o placar.
Ainda no primeiro tempo, os rubro-negros ampliaram: Paulo Cézar Caju fez belo passe para Caio, que invadiu a área, driblou Félix e bateu alto. A bola apenas roçou as redes e voltou para o campo. A vantagem de dois gols dava certo fôlego, mas o Fla recuou na etapa final e o Flu forçou a reação, diminuindo com Jair aos 15 minutos e buscando até o fim o empate que levaria a decisão do campeonato para um jogo extra. Porém, os rubro-negros, sempre firmes na defesa, suportaram até o apito final e soltaram o grito de campeão.
“Fomos campeões não pelo jogo de hoje, mas pela nossa atuação durante todo o campeonato. Uma derrota nesta decisão seria uma injustiça. Felizmente isto não aconteceu e somos finalmente campeões cariocas”, declarou Zagallo, enquanto o massagista rubro-negro Mineiro repetia: “Eles têm que aturar o homem. Ninguém conhece mais do que ele”. Com a partida encerrada, o meia tricolor Gerson correu até o túnel rubro-negro e abraçou o comandante do Fla enquanto repetia em voz alta: “Você é um técnico campeão”.
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5. FLAMENGO 1×0 VASCO (Taça Guanabara, 06/05/1973)
Assim como acontecera com a dupla Fla-Flu no ano anterior, Flamengo e Vasco chegaram bem iguais ao confronto direto da última rodada da Taça Guanabara de 1973, invictos e com apenas dois pontos perdidos. Decidiriam o turno entre eles e diante de um público hoje assombroso: mais de 160 mil pagantes. Dúvidas antes da partida, Doval e Arílson estavam confirmados no time de Zagallo. E o segundo, fazendo a função de falso ponta-esquerda compondo o meio-campo que o próprio treinador havia consagrado, decidiu o jogo.
A jogada começou com Paulo Cézar Caju clareando o lance ainda na intermediária rubro-negra. Em seguida, ele acionou Dario pela ponta esquerda. O centroavante foi até a linha de fundo e cruzou para trás, O ex-rubro-negro Zanata, que se transferira para o rival no começo daquele ano, tentou dominar, mas a bola acabou sobrando para Arílson, que bateu cruzado antes da chegada do goleiro Andrada. O Fla dominou amplamente o jogo e chegou a acertar a trave duas vezes, mas, para a sorte do Vasco, o placar terminou só 1 a 0.
Após a partida, Zagallo definiu a atuação do Fla como “perfeita”, exaltou “a garra, o brio e o bom preparo físico” dos jogadores e dedicou a conquista à torcida “que mostrou confiança durante todo o primeiro turno, incentivando em todos os sentidos para a conquista do título”. O técnico chegava ao seu quinto título da Taça Guanabara em sete anos. E aquele seria seu último caneco na primeira passagem pelo Fla. No início de 1974, ele se licenciaria para se dedicar totalmente à Seleção Brasileira na preparação para a Copa do Mundo.
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6. FLAMENGO 3×0 BANGU (Taça Guanabara, 26/08/1984)
Mais de uma década após o fim de sua primeira passagem, Zagallo voltaria ao comando do Flamengo. Em 29 de maio de 1984, o Velho Lobo era apresentado para o lugar de Cláudio Garcia, demitido pouco depois da surpreendente eliminação para o Corinthians nas quartas de final do Brasileiro. E tinha como objetivo imediato juntar os cacos e reanimar o elenco para buscar a classificação no triangular semifinal da Libertadores, em que o Fla teria o atual campeão Grêmio e a venezuelana Universidad Los Andes (a ULA) como oponentes.
Também não foi possível: empatados em pontos, Flamengo e Grêmio decidiram a vaga num jogo extra no Pacaembu, e os gaúchos, que precisavam do empate no tempo normal e prorrogação por terem melhor saldo de gols, conseguiram o 0 a 0 que queriam, aumentando a frustração dos rubro-negros. Restava então o Campeonato Estadual, no qual o time estreou vencendo o Botafogo por 1 a 0, mas logo se complicou ao empatar com o Goytacaz em Campos (2 a 2) e perder de 1 a 0 para o Vasco, mesmo jogando melhor que o rival.
Mas já começava a se reabilitar quando teria pela frente o perigoso e invicto Bangu do técnico Moisés e do não menos folclórico supervisor Carlos Alberto Galvão, o Catuca. O primeiro, entre as inúmeras frases de efeito que soltou na semana que antecedeu o duelo, bradou: “O Mengo vai virar mingau”. O outro, por sua vez, colocou para sobrevoar a Gávea por cerca de meia hora um aviãozinho teco-teco carregando uma faixa onde se lia: “O Bangu vai deixar Zagallo mais careca domingo”. Típica provocação de pré-jogo.
Se não tinha mais Zico e Junior, ambos negociados com o futebol italiano, o Flamengo de Zagallo abria espaço para a juventude dos laterais Jorginho (trazido do America) e Adalberto, do meia Élder e do atacante Bebeto. Outro garoto, o zagueiro Zé Carlos, ganharia uma chance naquela partida no lugar do lesionado Mozer. Era também um time do jeito que o treinador gostava, uma espécie de 4-5-1 com Andrade e Élder fazendo bloqueio forte no meio e Tita mais os falsos pontas Bebeto e Adílio municiando o artilheiro Nunes.
Nem mesmo os 17 graus de temperatura naquela noite de domingo esfriaram o Flamengo, que fez atuação descrita como “empolgante” pelo Jornal do Brasil. Se no primeiro tempo foram muitas as chances desperdiçadas, no segundo a resistência do Bangu desmoronou. Aos 13 minutos, Élder lançou Bebeto, que tocou na saída do goleiro Gilmar. Aos 28, Bebeto bateu escanteio e Adílio desviou na primeira trave para as redes. E aos 40, Bebeto desceu pela direita e cruzou. Edmar cabeceou na trave, Élder pegou a sobra e fez 3 a 0.
Classificada como “irrepreensível” por João Saldanha em sua coluna no Jornal do Brasil, a atuação rubro-negra fez o Bangu pagar pela língua – os alvirrubros haviam colocado outro aviãozinho para sobrevoar o Maracanã com a faixa “Mengo vai virar mingau”. Mas a resposta definitiva viria de Zagallo, que, bem ao seu estilo, não perdeu a chance de retrucar: “O Bangu virou angu”.
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7. FLAMENGO 1×0 FLUMINENSE (Taça Guanabara, 23/09/1984)
Depois de passar pelo Bangu, o Flamengo seguiu enfileirando vitórias até surgir como candidato ao título da Taça Guanabara no Fla-Flu da última rodada. Mais uma vez, os dois rivais chegavam em igualdade de condições. Mas o que começou a delinear os destinos do clássico aconteceu fora de campo, na semana que antecedeu a decisão. Mais exatamente em Brasília, onde já se iniciara a movimentação que apontaria em eleições indiretas o próximo presidente da República – ainda se vivia o período do regime militar no Brasil.
Tudo começou quando o estagiário de preparação física tricolor, Nazareno Barbosa, em visita à capital federal, levou os jogadores Aldo, Branco, Jandir e Washington para uma visita a Paulo Maluf, candidato da situação (ou seja, do regime), declarando apoio a ele contra o opositor, Tancredo Neves. Como se não bastasse, na tarde de sábado, véspera do Fla-Flu, o goleiro tricolor Paulo Vitor, deixou a concentração para se encontrar com Maluf (que viera ao Rio), posar para fotos e também declarar: “Esse é o meu candidato”.
A declaração de apoio irritou dirigentes tricolores – que se apressaram para dizer que o clube era “apolítico” – e gerou protesto de alguns torcedores. Do outro lado, o Flamengo nem hesitou: de primeira hora, anunciou que estava com Tancredo e não abria – do presidente George Helal ao elenco, todos apoiavam o candidato da oposição. E até mesmo Zagallo, que ganhara fama de conservador por sempre se esquivar de manifestações políticas, não se fez de rogado: “Vamos dar uma tancredada no Tricolor”, vociferou.
O Maracanã recebeu quase 100 mil pagantes e muitas faixas de teor político, em especial na Fla-Diretas, torcida rubro-negra criada no início daquele ano em apoio à campanha pelas eleições diretas para presidente do país. Em campo, um Flamengo confiante e feroz ao estilo de Zagallo engoliu um abalado Fluminense, engolfado pela semana turbulenta. Um retrato dessa desatenção foi a falta que originou o gol: Adílio foi lançado, se desequilibrou, e o zagueiro Duílio, achando que a infração havia sido apitada, pegou a bola com a mão.
A cobrança de Tita, pelo lado esquerdo do ataque rubro-negro, viajou rápido até a área, onde o próprio Adílio subiu mais alto e cabeceou para encobrir Paulo Vitor aos 20 minutos do primeiro tempo. O Flamengo ainda poderia ter feito placar maior diante de um Fluminense que quase não ameaçou o gol de Fillol. Em outra cobrança de falta, na etapa final, Mozer carimbou o travessão. Assim como fez Adílio, com um leve toque por cobertura que pegou na quina da trave após uma intensa blitz vermelha e preta sobre a defesa tricolor.
Ao apito final, não houve rubro-negro que não se emocionasse. O time que havia sido dado como fora do páreo depois da derrota para o Vasco era o campeão da Taça Guanabara. Com os olhos marejados, Zagallo sequer conseguiu concluir a entrevista aos repórteres de rádio: “Muita gente não acreditava…” foi só o que conseguiu dizer. Depois, ganhou um abraço de Mozer (o “paredão”, como o técnico o chamava), do presidente George Helal e do zagueiro Figueiredo, que faleceria em acidente aéreo no fim daquele ano.
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8. FLAMENGO 1×0 GRÊMIO (Campeonato Brasileiro, 07/03/1985)
O Brasileirão de 1985 teve regulamento bastante confuso, típico da época. Na primeira fase, os 44 clubes eram divididos em quatro grupos: O A e o B, “dos grandes”, tinham dez equipes cada, as 20 melhores do ranking da competição, ao passo que o C e o D, “dos pequenos”, reuniam 12 clubes cada. Curiosamente, no lado dos grandes, os grupos se enfrentavam em turno e returno, enquanto na parte dos pequenos, os jogos eram dentro das chaves. E em cada um dos grupos, o vencedor do turno garantia vaga na segunda fase.
Toda essa explanação é necessária para (tentar) fazer entender o que estava em disputa naquele confronto entre Flamengo e Grêmio numa quinta-feira à noite no Maracanã. Era um jogo isolado: as outras nove partidas das “chaves dos grandes” haviam sido realizadas na véspera e o Grupo A já estava definido: o Atlético Mineiro selara a classificação ao bater o Vasco no Maracanã por 2 a 1, de modo que o Grêmio não tinha mais chances. Mas o Fla tinha de vencer para ultrapassar o Internacional e conquistar o turno no Grupo B.
Mas quem esperava uma “entregada” gremista para prejudicar o rival Colorado logo viu que não seria bem assim: o time de Rubens Minelli entrou fechadinho na defesa, de olho em somar pelo menos um ponto e manter sua invencibilidade na competição – até ali havia obtido três vitórias e seis empates. O Fla sufocou desde o início, mas foi perdendo a objetividade e o controle dos nervos. Para piorar, vieram as lesões: primeiro a de Leandro, que voltara à lateral na ausência de Jorginho, e depois a de Élder, que acabara de entrar.
Até que, no último minuto, Marquinho sofreu falta de Roberto César perto da meia-lua. Ponteiro esquerdo que compunha o meio-campo, ao estilo de Zagallo, e que chegara à Gávea no início do ano, trocado com o Vasco pelo volante Vítor, o próprio Marquinho se apresentou para a cobrança. Seu chute encobriu a barreira gremista, resvalando de leve no ombro do meia Osvaldo, e tomou o rumo das redes vencendo um estático Mazarópi. Finalmente saía o grito de gol até ali preso nas mais de 38 mil gargantas presentes ao Maracanã.
Como sempre com a emoção à flor da pele, Zagallo chegou a invadir o campo para orientar seus jogadores a evitarem uma última e desesperada investida gremista. Após o apito final, já nos vestiários, ele afirmou que o Flamengo mereceu a vitória por procurar o gol desde o início. E parabenizou os jogadores, em especial os que jogaram no sacrifício como Élder, pela força de vontade: “Encarnaram o espírito rubro-negro”, exaltou o Velho Lobo.
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9. FLAMENGO 6×1 BOTAFOGO (Campeonato Brasileiro, 24/03/1985)
O jejum botafoguense de títulos já estava perto de completar a maioridade naquele ano de 1985, mas o clube ainda se gabava de um feito: a vantagem sobre o Flamengo no confronto direto. O Fla havia perdido a oportunidade de igualar no duelo pelo primeiro turno do Brasileiro, ao perder de virada por 2 a 1. E não se vislumbrava uma nova chance antes daquele novo confronto: afinal, os desfalques de Leandro, Bebeto e Marquinho pesavam, e o Botafogo de Abel Braga, completo, vinha embalado após bater Internacional e São Paulo.
Tanto que – caso raríssimo – a maioria dos quase 70 mil torcedores presentes ao Maracanã era de botafoguenses. A empolgação era tanta que o rival resolveu provocar: na sexta-feira anterior, o Globo Esporte levou ao ar uma matéria com Russão, folclórico chefe de torcida alvinegro, e um caminhão de rolos de papel higiênico, comprados pelos não menos folclóricos Carlos Imperial e Osvaldo Sargentelli. “O negócio é o seguinte. O pessoal do Flamengo quando encontra com o Botafogo se borra todo, né, mermão?”, justificou Russão.
E a euforia alvinegra foi ao ápice logo aos dois minutos quando Renato “Pé Murcho” desceu pela ponta esquerda e cruzou para Elói abrir o placar. “Vai ser de goleada”, pensaram os botafoguenses. Só erraram o lado: liderada por um Adílio em tarde exuberante, a molecada rubro-negra – eram seis jogadores com 21 anos ou menos – se acalmou e cresceu no jogo, virando ainda no primeiro tempo: Adalberto tabelou com Adílio e tocou na saída de Luís Carlos para empatar, e o ponteiro Heyder bateu de pé esquerdo para colocar o Fla na frente.
E na etapa final, veio a goleada: Adílio desviou uma cabeçada de Chiquinho e fez o terceiro logo no primeiro minuto. Aos 13, Adalberto é lançado, passa pelo zagueiro Cristiano e faz o passe para Chiquinho marcar o quarto. Depois, Adalberto – o nome do jogo – tabela com Gilmar, passa por Josimar e Cristiano (que, comicamente, batem de frente um com o outro), entra na área e dribla Luís Carlos para anotar o quinto. No último lance, ainda houve tempo para Gilmar pegar o rebote de um chute de Andrade e fechar o massacre.
A goleada atendia aos gritos de “queremos seis” da galera rubro-negra, que não arredava o pé do Maracanã e logo emendou no tradicional “Parabéns pra você”, sempre dedicado aos alvinegros naqueles longos anos de jejum de títulos. “Cantaram a vitória, fizeram gozação antes do tempo, estamos devolvendo a gentileza”, bradou Zagallo, que enfim conseguia sua forra pessoal dos 6 a 0 que sofrera em 1972 como técnico rubro-negro diante do mesmo adversário – o Fla já havia devolvido o placar quatro anos antes, no “Jogo da Vingança”.
Já aquele entraria para a história como o “Jogo do Papel Higiênico”: no exultante vestiário rubro-negro após o jogo, lia-se o placar da partida escrito com folhas dos muitos rolos trazidos pelos alvinegros e colado na parede. E o garoto Adalberto tratava de alfinetar o rival, que, em meio às provocações de pré-jogo, tivera os telefones da sede de Marechal Hermes cortados por falta de pagamento: “Esses torcedores, que compraram papel higiênico para ridicularizar o Flamengo, deviam era colocar as dívidas do Botafogo em dia”.
E se ainda havia alguma contestação estatística, a partir daquele dia o Flamengo deixou de ser oficialmente freguês do Botafogo – e para sempre.
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10. FLAMENGO 4×0 VASCO (Campeonato Brasileiro, 27/10/2000)
Após levantar o bicampeonato estadual, o Flamengo montou um timaço para o Brasileiro de 2000, chamado de Copa João Havelange, mas os resultados foram decepcionantes: uma sequência de cinco derrotas custou o emprego do técnico Carlinhos, lenda da Gávea. Para seu lugar, o clube trouxe outra cria rubro-negra: Zagallo, que estreou vencendo o Vélez Sarsfield no Maracanã pela Copa Mercosul num respiro providencial. Três dias depois, numa sexta à noite, viria o clássico com o Vasco, outro timaço, liderado por Romário.
Na tabela, o Vasco era o quarto colocado, a um ponto do líder Fluminense, mas com três jogos a menos. O Fla era apenas o 17º, dez pontos atrás do rival e a dez pontos à frente do lanterna Santa Cruz. Em campo, porém, os papeis se inverteram. Só deu Flamengo naquela chuvosa noite de sexta. No primeiro tempo, Petkovic cobrou com perfeição uma falta de Odvan em Adriano e abriu o placar. Mas a etapa final reservaria mais alegrias aos rubro-negros. Logo no início, Rocha tabelou com Edílson e cruzou para Adriano escorar: 2 a 0.
Edílson iniciaria a jogada do terceiro gol com ótimo passe para Petkovic. Com um drible curto no zagueiro Henrique e o chute cruzado na saída do goleiro Hélton, o sérvio anotou um golaço. E para fechar, Roma sofreu pênalti de Paulo Miranda e Edilson converteu para decretar a goleada: 4 a 0, igualando a diferença de gols do maior placar histórico do Fla sobre o rival: os 6 a 2 de 1943. A torcida em êxtase cantava o funk de sucesso de então, “Tá dominado, tá tudo dominado”, seguido por um “Ih, ih, ih, vai ter que me engolir!”.
Era uma referência ao célebre discurso do Velho Lobo após a conquista da Copa América de 1997. Zagallo, por sua vez, tratava de exaltar sua origem rubro-negra: “Eu tô no meu ninho. Meu ninho é o Flamengo”.
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11. FLAMENGO 1×1 (4×3) FLUMINENSE (Taça Guanabara, 03/03/2001)
Zagallo não conseguiria classificar o Fla para o mata-mata da Copa João Havelange. Mas lá foi ele de novo decidir – e vencer – outra Taça Guanabara pelo Fla como nas duas passagens anteriores. E de novo contra o Fluminense, após os rubro-negros eliminarem o Vasco na semifinal. Disputado no dia do aniversário de Zico, o Fla-Flu teve primeiro tempo morno, mas na etapa final os gols saíram: Reinaldo, que havia acabado de entrar no lugar de Adriano, bateu falta ao estilo do Galinho e abriu o placar. Mas o Flu empataria com Marco Brito.
O placar de 1 a 1 levou a final ao drama da decisão nos pênaltis. E nela brilhou Julio César, que pegou a segunda cobrança tricolor, de Magno Alves e deixou o Fla em vantagem. Que ficou bem perto de ser anulada quando Cássio, na quarta cobrança rubro-negra, viu seu chute ser defendido pelo goleiro Murilo, mas logo em seguida, fazer uma curva mágica, misteriosa, milagrosa e tomar o rumo das redes. Um pênalti como o Maracanã nunca viu. Na última cobrança, Beto converteu e selou a conquista do turno, colocando o Fla na final do Estadual.
“Foi a mão divina – ou, se quiserem, a mão de Santo Antônio”, declarou Zagallo após a partida, enquanto segurava e exibia seu santinho de devoção para as câmeras de TV. E outro milagre aguardaria o Fla na decisão daquele Carioca.
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12. FLAMENGO 3×1 VASCO (Campeonato Estadual, 27/05/2021)
Nas campanhas dos tricampeonatos cariocas do Flamengo, quase sempre a terceira conquista de cada foi a mais dramática, aquela a demandar a maior capacidade de recuperação dos jogadores: a arrancada concluída no gol heroico de Valido em 1944; a catarse de Dida devolvendo a goleada do America em 1955; o turno inteiro praticamente sem Zico em 1979. E no quarto tri não seria diferente. Derrotado no primeiro jogo decisivo contra o Vasco por 2 a 1, o Fla tinha de vencer por dois gols de diferença para levar o caneco.
Como se não bastasse, a semana que antecedeu a finalíssima foi tensa: na quarta-feira, a equipe empatou em casa com o Coritiba em 1 a 1 e foi eliminada da Copa do Brasil. Na sexta, os muros da Gávea amanheceram pichados com as frases “Zagagalo Vice”, “Beto Cachaça” e “Morte aos sérvios”, numa referência a Petkovic, além da assinatura da torcida vascaína Força Jovem. O elenco tinha seus problemas de relacionamento, especialmente entre Pet e Edílson. E o zagueiro Gamarra estava vetado para a grande decisão.
Zagallo tratou então de pedir luta, empenho: “Quero 11 Popós em campo”, declarou, referindo-se ao boxeador baiano Acelino “Popó” Freitas. E o time atendeu: aos 21 minutos, Cássio levou um rapa de Clébson na área e Edílson converteu o pênalti, abrindo o placar. O Vasco empatou ainda no primeiro tempo com Juninho Paulista, mas o Fla não desistiu. Na etapa final, aos oito minutos, Petkovic fez grande jogada pela esquerda e alçou com perfeição, como se tivesse feito com a mão, para Edílson cabecear na corrida e fazer 2 a 1.
Faltava apenas um gol. Até que, aos 42, Edílson sofreu falta de Fabiano Eller a uma certa distância da área. Enquanto Petkovic se preparava para cobrar, a torcida rubro-negra, das arquibancadas, mandava boas energias e o lateral Alessandro rezava no banco. O chute descreveu uma parábola maravilhosa, impecável e morreu no ângulo de Hélton. A comemoração daquele que seria o gol do tricampeonato foi um dos maiores êxtases da história rubro-negra e evocava o gol de Rondinelli contra o mesmo Vasco no título de 1978.
Na beira do campo, vestido com o uniforme rubro-negro, o multicampeão Zagallo outra vez havia recorrido à sua imagem de devoção: “Foi uma emoção de Copa do Mundo. Na hora da falta, peguei na mão o Santo Antônio que estava no bolso”, declarou, em seu momento de maior euforia dirigindo o Flamengo.
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13. FLAMENGO 2×3 SÃO PAULO (Copa dos Campeões, 11/07/2001)
Torneio criado pela CBF reunindo vencedores dos torneios regionais e dos principais estaduais, a Copa dos Campeões foi jogada inteiramente em duas cidades do Nordeste em sua edição de 2001: João Pessoa e Maceió, onde nasceu Zagallo. Credenciado à disputa como campeão carioca, o Fla eliminou Bahia e Cruzeiro antes de fazer a final contra o São Paulo. E a vitória por um elástico 5 a 3 no primeiro jogo, na capital paraibana, deu aos rubro-negros a boa vantagem de poder perder por até um gol na partida de volta, em Alagoas.
O time paulista saiu na frente com um belo gol de Kaká. Mas o Fla empatou numa cabeçada forte de Juan logo no início da etapa final. E, 45 dias após a decisão do Estadual contra o Vasco, Petkovic voltou a sacar da cartola uma cobrança magistral de falta, idêntica à do gol do tri, acertando o ângulo de Rogério Ceni para virar o jogo. Depois de expulsar Luís Fabiano por reclamação, o juiz Márcio Rezende de Freitas compensou inventando pênalti num lance em que Juan e Júlio Baptista se enroscaram na área. França bateu e empatou.
No fim, França marcou o terceiro do São Paulo, que ficava a um gol de levar a decisão aos pênaltis. Do outro lado, Fábio Augusto quase empatou de novo para o Fla ao carimbar o travessão. O drama seguiu até o último minuto. Ao apito final, o Fla conquistava o título e a vaga na Taça Libertadores, além de passar a ter levantado taças em todas as cinco regiões do país. Para Zagallo, também era um momento especial: “Jamais poderia pensar que conquistaria na terra onde nasci um título da Copa dos Campeões. Sou um abençoado”.