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1951, Índio, Biguá, Bria, Dequinha, Dinamarca, Esquerdinha, Europa, Excursões, Flávio Costa, França, Portugal, Suécia
Passo fundamental para o resgate de um Flamengo forte no início da década de 1950, a histórica excursão à Europa realizada pelo clube entre maio e junho de 1951 marcou a primeira visita ao Velho Continente e teve saldo muito positivo: foram dez vitórias em dez partidas enfrentando equipes da Suécia, Dinamarca, França e Portugal. Por onde passou, o time rubro-negro dirigido por Flávio Costa encantou pela qualidade técnica de seus jogadores e pela simpatia de seus craques. E lançou as bases para o segundo tri carioca de sua história, que viria a partir de 1953 com Fleitas Solich no comando.
AS TRATATIVAS
A aproximação dos suecos com o futebol brasileiro começou no fim dos anos 1940, quando o Malmö – uma das três grandes forças do país ao lado do IFK Gotemburgo e do AIK – veio ao país para uma excursão em dezembro de 1949, na qual enfrentou duas vezes o Flamengo em partidas disputadas no estádio tricolor em Laranjeiras. Na primeira delas, houve empate em 4 a 4. Já na segunda, o Fla venceu com facilidade por 3 a 0. Era uma espécie de “missão diplomática” dos escandinavos com vistas à Copa do Mundo de 1950.
Neste Mundial, os suecos jogariam em São Paulo, Curitiba e no Rio de Janeiro (enfrentando o Brasil no Maracanã) e estreitariam ainda mais seus laços com o país. Naquela ocasião, o cicerone da delegação foi o empresário Gunnar Goransson, representante no país da Facit, empresa sueca de utensílios de escritório – e que, anos depois, chegaria a ocupar por quase uma década o cargo de diretor de futebol do Flamengo. E não demoraria muito até que as rotas se invertessem, e os clubes daqui se aventurassem pelo país escandinavo.
O Flamengo se tornaria o pioneiro entre eles. O contrato para a primeira excursão rubro-negra à Europa foi assinado no fim da tarde de 12 de março de 1951 pelo presidente Gilberto Cardoso na velha sede da praia do Flamengo, após um encontro de uma comissão do clube formada pelo mandatário, pelos dirigentes Francisco Abreu e José Alves de Morais e pelo técnico Flávio Costa com os representantes dos clubes suecos: o já mencionado Gunnar Goransson e o antigo cônsul da Suécia no Rio de Janeiro, Per Soederberg.
O documento previa de início seis partidas obrigatórias, podendo se estender a mais duas ou três de acordo com o desempenho rubro-negro naqueles primeiros jogos. Nos primeiros planos já havia também a intenção de estender a turnê até Portugal e eventualmente algum outro país do continente. Bem espaçado entre os jogos (algo não tão comum na época), o calendário da excursão mereceu elogios até do jornalista vascaíno Álvaro Nascimento, do Jornal dos Sports, que o considerou o mais racional envolvendo clubes brasileiros.
UM NOVO FLAMENGO
O ano de 1951 marcou o início de uma profunda reformulação no Flamengo. Eleito em dezembro do ano anterior, o presidente Gilberto Cardoso trouxe de volta o técnico Flávio Costa, tricampeão em 1942-43-44, para tentar resgatar o time de um declínio acentuado o qual vinha vivendo desde aquelas três conquistas consecutivas, e que culminaria com a desastrosa sétima colocação no Carioca de 1950. Poucos veteranos daquela última glória permaneciam, como o lateral Biguá, o defensor Newton Canegal e o médio paraguaio Modesto Bria.
E alguns reforços aportariam no clube no início da temporada. Para a defesa chegaram o vigoroso zagueiro Pavão (Portuguesa Santista) e o lateral Cido (América de Recife). Já para o ataque, vieram o ponta-direita Nestor, jogador revelado pelo Canto do Rio e que passara por Vasco e Palmeiras, de quem o Fla o contrataria, e ainda o arisco centroavante Adãozinho, do Internacional, reserva da Seleção na Copa de 50, onde foi companheiro do lateral-esquerdo Bigode, ex-Atlético-MG e Fluminense, que chegara ao clube no começo de 1950.
Naquele momento, também começavam a despontar nomes que fariam história no clube, como o centromédio Dequinha (outro vindo do América de Recife em 1950) e o atacante Índio, cria da base rubro-negra. Outros, um pouco mais antigos no elenco, como o goleiro paraguaio García, o centromédio Válter (mais tarde técnico da base e do profissional) e o ponta Esquerdinha, já se tornavam nomes consolidados. Já alguns, como o atacante gaúcho Hermes (ex-Grêmio) ficariam pelo caminho, apesar de terem sua importância no ciclo.
A delegação fez sua despedida oficial no dia 6 de maio, dois dias antes do embarque, com os jogadores desfilando uniformizados pela pista do estádio das Laranjeiras antes de um confronto dos aspirantes de Flamengo e Vasco pelo Torneio Municipal. Chefiada pelo escritor e rubro-negro fanático José Lins do Rego, ela incluía ainda o presidente Gilberto Cardoso, que viajaria também como médico do clube, o vice-presidente Marcus Vinícius de Carvalho, o técnico Flávio Costa e sua esposa Florita, além de 17 jogadores.
O elenco incluía os goleiros García e Cláudio; os defensores Biguá, Pavão, Bigode, Cido, Newton Canegal e Beto; os médios Bria, Dequinha e Válter; e os atacantes Nestor, Hermes, Adãozinho, Aloísio, Índio e Esquerdinha. O veterano massagista Johnson já havia seguido para a Suécia, onde encontraria a delegação. Outro que também já se encontrava na Europa era o dirigente Francisco Abreu, que tratava de negociar os amistosos e preparar todo o terreno e o que hoje se chamaria de “logística” para a chegada da delegação.
A imprensa se mobilizou para cobrir a excursão: o Jornal dos Sports enviou os jornalistas Ricardo Serran e Mário Julio Rodrigues. A revista O Cruzeiro contou com o célebre fotojornalista José Medeiros. E o renomado narrador Oduvaldo Cozzi comandou as transmissões de rádio para a emissora Continental, com patrocínio da Bayer. A viagem despertou interesse até em São Paulo: os jogos narrados por Cozzi seriam retransmitidos pelas rádios Panamericana e Record (em ondas curtas) com o apoio do jornal paulistano Gazeta Esportiva.
OS JOGOS DA EXCURSÃO
Flamengo 1×0 Malmö
O primeiro adversário da excursão, em 16 de maio, seria o Malmö, campeão sueco da temporada 1950-51 com apenas uma derrota em 22 partidas e nove pontos de vantagem sobre o segundo colocado. Nesta campanha do título nacional, o clube da camisa azul celeste teve ainda o melhor ataque e a melhor defesa. A partida aconteceria no mesmo estádio Råsunda, em Solna (subúrbio de Estocolmo), no qual o Brasil venceria a Suécia por 5 a 2 – com o rubro-negro Zagallo marcando um dos gols – e conquistaria o título mundial em 1958.
Curiosamente, quem também estava em Estocolmo na ocasião era o Liverpool, igualmente participando de uma temporada internacional na Suécia. Quarenta anos antes do confronto que valeria o título mundial em Tóquio, os dois times desfilaram juntos pelo gramado do Råsunda antes de seus respectivos compromissos (os ingleses enfrentariam o AIK). O Fla entraria completo contra o Malmö: García no gol, Biguá, Pavão e Bigode na defesa, Válter e Bria na linha média e Nestor, Hermes, Adãozinho, Índio e Esquerdinha no ataque.
A partida começou equilibrada, mas aos poucos o Flamengo passou a controlar as ações, tendo os pontas Nestor e Esquerdinha e o centroavante Adãozinho como os melhores no setor ofensivo. Entretanto, além da falta de pontaria dos brasileiros, a defesa sueca trabalhava bem, chegando a colocar o ataque rubro-negro por seis vezes em impedimento só na primeira etapa. Dessa forma, o primeiro tempo só poderia terminar num empate sem gols. Para a etapa final, Aloísio entraria no lugar de Índio, tentando dar mais ímpeto ao setor.
E, de fato, o time passou a envolver mais a retaguarda adversária. Com Bria acertando na linha média e empurrando o Flamengo à frente, a equipe acertou por duas vezes a trave sueca. O gol, porém, nasceria de um lance curioso: Nestor tentou a jogada na ponta, perto da bandeirinha de escanteio, mas foi desarmado por Erik Nilsson, que em seguida recuou a bola para o goleiro. Este, porém, escorregou e caiu, deixando a bola limpa para Esquerdinha tocar para as redes aos 15 minutos do segundo tempo.
Os jogadores rubro-negros e o técnico Flávio Costa, porém, não saíram satisfeitos. Não houve reclamação contra a arbitragem ou o público, pelo contrário. O que desgostou aos atletas foi a própria falta de sorte e a percepção de que a vitória poderia ter sido por um placar mais folgado. De qualquer forma, era preciso relevar o desempenho pelo fato de se tratar de uma estreia em gramado desconhecido, com clima um tanto adverso. E, afinal de contas, o time havia derrotado um dos adversários mais fortes do programa.
Flamengo 6×1 AIK
Força tradicional do futebol sueco, O AIK vivia mau momento. Havia terminado o campeonato na penúltima colocação, sendo rebaixado para a segunda divisão ao fim da temporada 1950-51. Mas recebeu reforços emprestados por outros clubes para enfrentar o Flamengo, também no Råsunda, na tarde de 20 de maio. Porém, mordidos pelo placar considerado magro da estreia, os jogadores rubro-negros foram à forra diante do clube promotor da excursão. E arrancaram sua primeira goleada estrondosa da excursão.
Esquerdinha abriu o placar aos 19 minutos e Hermes ampliou marcando duas vezes, aos 30 e aos 32. Mas a atuação até ali vinha sendo um tanto protocolar. O time só melhorou mesmo na etapa final, quando Índio cresceu de produção. Nilsson diminuiu para o AIK pouco depois do reinício do jogo, mas dali em diante o Fla deslancharia: Índio fez o quarto aos seis minutos. Hermes fechou sua tripleta marcando o quinto aos 16. E Adãozinho – saudado pelo rei Gustavo da Suécia ao fim da partida – fechou a contagem anotando o sexto aos 24 minutos.
Flamengo 2×0 Malmö
O Malmö pediu revanche da derrota no Råsunda, mas desta vez a partida seria disputada em sua casa, no velho estádio Idrottsplats (ainda hoje existente, embora o clube não atue mais lá), onde estava invicto há 47 jogos. E assim como na estreia rubro-negra, o jogo começou equilibrado, sem predomínio de nenhum dos lados, e com a defesa sueca deixando muitas vezes o ataque do Flamengo em impedimento (Nestor chegou a balançar as redes, mas o tento foi anulado). O gramado escorregadio também atrapalhava o Fla.
Pouco depois dos 30 minutos, porém, o Flamengo conseguiu abrir a contagem. Bigode passou a Hermes, que abriu na direita com Nestor. O ponta superou Erik Nilsson na corrida e chutou da linha de fundo, sem ângulo. A bola surpreendeu o goleiro Petterson, que tentava fechar o canto, e foi parar nas redes. Imediatamente, o Malmö tentou reagir, mas o Fla se fechou bem, com os meias auxiliando os laterais e Dequinha recuando na proteção à defesa. Apesar dos problemas físicos e com o gramado, o time demonstrou resiliência.
A pressão do time da casa durou mais de meia hora. Mas, num raro contra-ataque, o Flamengo teve a chance de definir o resultado e foi letal. Índio escapou pelo meio e levou a bola até a área adversária, onde cruzou para Nestor, que acompanhava na corrida. O ponta de novo se livrou de Erik Nilsson e bateu quase da linha de fundo, vencendo Petterson outra vez. Mesmo felizes com a vitória, os jogadores rubro-negros não pouparam críticas à arbitragem, que marcou nada menos que 23 impedimentos do Fla e nenhum do time sueco.
Flamengo 2×1 Combinado do Norte da Suécia
De Malmö, ao sul da Suécia, a delegação rubro-negra subiu quase mil quilômetros ao norte, com destino a Sundsvall, onde enfrentaria o combinado da região conhecida como Norrland. O jogo foi disputado no estádio Idrottsparken no domingo, 27 de maio. O combinado era formado por jogadores de três clubes locais – entre eles o GIF Sundsvall, que mais tarde integraria a primeira divisão sueca – e incrementado por dois atletas do Malmö. Mas o maior reforço dos locais seria mesmo o clima gélido, mesmo próximo do verão no país.
A neve que caía no estádio e a temperatura de 1°C foram muito sentidas pelo time do Flamengo em Sundsvall. “Todos os brasileiros assistiram ao encontro embrulhados em cobertores, tendo os jogadores sentido o intenso frio”, relatava a crônica do Jornal dos Sports, “a ponto de alguns terem necessidade de massagens estimulantes, como Bigode e Adãozinho”. O lateral-esquerdo chegou a ser colocado numa banheira de água quente após o jogo, em virtude das cãibras que sofria, com os músculos das pernas congelados.
Mesmo assim, outra vitória veio: aos 15 minutos do primeiro tempo, Índio recebeu passe de Esquerdinha numa brecha da defesa sueca e abriu o placar. O segundo gol surgiu de uma falta bem perto da área sueca: Adãozinho (que teve ainda um tento anulado) rolou para Pavão, que encheu o pé e ampliou aos nove minutos do segundo tempo. O combinado diminuiu aos 23 com Nordlander e buscou o empate, mas o Fla resistiu apesar do frio e saiu vitorioso, tendo Pavão, Dequinha e Bigode como maiores destaques.
Flamengo 3×0 Elfsborg
No dia 30, a delegação seguiu para Åtvidaberg, onde visitaria a fábrica da Facit e realizaria um treino coletivo com entradas pagas, com jogadores do clube da fábrica completando a equipe reserva. O montante arrecadado ajudaria a custear o tratamento de Per Soederberg, internado no Hospital da Cruz Vermelha em Estocolmo. “O Flamengo faz questão especial de colaborar com este grande amigo”, lembrou o Jornal dos Sports. O antigo cônsul da Suécia no Brasil, no entanto, não resistiria e acabaria falecendo em outubro daquele ano.
De Åtvidaberg, os rubro-negros partiram em dois ônibus especiais para Borås, onde enfrentariam o Elfsborg, time local, no estádio Ryavallen em jogo inicialmente marcado para 30 de maio, mas que acabou disputado em 1º de junho. Décimo colocado na temporada 1950-51 do campeonato sueco, o clube aurinegro havia se salvado do rebaixamento ao superar o AIK no número de gols marcados. A concentração do Flamengo para este jogo foi na localidade de Hindas, a mesma onde a Seleção Brasileira ficaria na Copa do Mundo de 1958.
Este foi, até aquele momento da excursão, o jogo mais fácil do Flamengo, que poderia ter vencido por um placar maior se buscasse mais o gol depois de ter aberto a vantagem. O time encurralava o Elfsborg, que se fechava na defesa e via suas tentativas de contra-atacar morrerem sem sequer ultrapassarem o meio-campo. O primeiro gol saiu aos nove minutos. Hermes recebeu a bola, ameaçou o chute, mas preferiu servir a Nestor, que passava à sua direita na lateral da área. O ponta chutou forte e com efeito, vencendo o goleiro Nygran.
O segundo gol, aos 13, nasceu de arrancada de Índio, que cruzou certeiro para Hermes concluir. E o terceiro, aos 24 minutos, foi fruto da pressão ofensiva da equipe de Flávio Costa: apertado, o zagueiro Hansson tentou recuar para o goleiro Nygran, mas não percebeu o arqueiro fora de posição, e a bola tomou o rumo das redes. Dali em diante, o Fla relaxou e passou a fazer jogadas de efeito para o público sueco. Ainda chegou às redes mais uma vez, com Adãozinho de cabeça aos 45 minutos, mas o gol acabou anulado por impedimento.
Na etapa final, o Elfsborg chegou a ameaçar por duas vezes, mas García apareceu seguro num lance e, após ser batido no outro, Newton surgiu para salvar na hora exata. Aos 30 minutos, Hermes sentiu lesão e foi substituído por precaução por Aloísio, mas seu estado não chegava a preocupar. Ao fim do jogo, os atletas rubro-negros tiveram dificuldade para chegar aos vestiários por terem sido cercados pelo público local, que desejava ver os jogadores bem de perto. A vitória rendeu ainda ao clube uma taça, a Elfsborg Cup.
O Flamengo viajou de ônibus até Gotemburgo e, de lá, pegou um avião até Copenhague. O jogo a ser realizado na capital da Dinamarca no dia 5 seria inicialmente contra o KB, um dos principais clubes do país, mas o adversário acabou trocado por um combinado da capital dinamarquesa. O KB, porém, hospedou a delegação rubro-negra em sua concentração. Com a partida marcada para um feriado na cidade, o horário pôde ser antecipado para as 16h locais (os jogos anteriores vinham sendo realizados por volta das 19h).
Flamengo 2×0 Combinado de Copenhague
O cartaz rubro-negro estava alto em Copenhague, cidade a qual a delegação chegou no dia 2 de junho. As imprensas sueca e dinamarquesa vinham avaliando o time do Flamengo como superior ao combinado São Paulo-Bangu que também havia atuado recentemente nos dois países. Já o tal “combinado de Copenhague” que enfrentaria o Fla era, na prática, a seleção da Dinamarca e incluía diversos nomes que haviam atuado nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948, e/ou que atuariam no torneio de Helsinque, em 1952.
O primeiro tempo foi equilibrado, com as defesas muito firmes predominando sobre os ataques. Ainda assim, o Flamengo esteve perto de abrir a contagem com um chute de Hermes na trave aos 31 minutos. Na volta do intervalo, o combinado se lançou ao ataque e passou a pressionar. Mas seria o Fla que marcaria: Dequinha recolheu uma bola e lançou Esquerdinha, que passou na frente a Índio. Este entregou a Adãozinho, que entrava na área e chutou com violência, rasteiro, no canto direito. A bola passou por baixo do goleiro Nielsen.
Em desvantagem, o combinado dinamarquês passou a atacar ainda mais. E seria castigado em outro contra-ataque rubro-negro aos 26 minutos: Pavão afastou um ataque e a jogada chegou a Bigode, que lançou Esquerdinha. O ponta rubro-negro arrancou para a área e chutou no canto esquerdo, ampliando para o Flamengo. Aos 42, o time chegou a anotar o terceiro com Hermes, aproveitando confusão na área e mandando para as redes. Mas o árbitro já havia invalidado o lance marcando falta de Adãozinho.
Flamengo 2×0 Halmia
De volta à Suécia, o Fla teria novamente seu próximo adversário mudado: em vez do Halmstad, ele seria o Halmia, da mesma cidade, no estádio Örjans Vall em 8 de junho, uma sexta-feira. O novo oponente havia acabado de vivenciar seu melhor e mais longo período na divisão de elite sueca entre as temporadas 1943-44 e 1949-50. Neste último ano, apesar de rebaixado, chegou às semifinais da Copa da Suécia. E, para o confronto, recebeu de última hora alguns reforços, como o atacante Karl-Erik Palmér, cedido pelo Malmö.
Precedida por uma exibição de ginástica sueca, a partida teve público bem superior ao esperado: caravanas de localidades vizinhas correram até Halmstad para assistir ao Flamengo. O time rubro-negro, porém, não fez um bom primeiro tempo, falhando muito na defesa e no ataque. E aos poucos o adversário percebeu os pontos fracos da equipe de Flávio Costa e começou a levar perigo, com García se desdobrando em várias ocasiões para evitar a abertura do placar por parte do time local. Mas quem acabou marcando foi o Fla.
Aos 16 minutos, Bria passou a Nestor, que desceu pela direita e cruzou. A bola passou por toda a defesa e chegou a Índio, que amorteceu no peito, dominou e chutou firme, vencendo o goleiro Ludvigson. Aos 36, num contra-ataque, viria o segundo gol: Adãozinho veio tabelando com Hermes pelo meio até entrar na área e chutar sem defesa para o arqueiro local. O Flamengo voltou do intervalo com Dequinha no lugar de Válter e passou a demonstrar mais segurança na defesa e mais coesão na bola trabalhada pelo meio.
Mas, se parou de levar sustos na retaguarda, também passou a ter mais dificuldades na frente contra um adversário fechado. É bem verdade que chegou de novo a balançar as redes em cabeçada de Hermes após cruzamento de Esquerdinha. Mas o árbitro, incrivelmente, encerrou o jogo no momento da finalização. Os destaques rubro-negros foram Adãozinho, García, Bigode, Dequinha e Índio. Este último recebeu uma homenagem do presidente do Halmia por ter sido considerado o melhor dos 22 em campo.
Flamengo 6×1 Norrköping
Historicamente a quarta força do futebol sueco (embora a terceira em títulos), o Nörrkoping seria o último adversário do Flamengo na Suécia. O clube vivera uma era de ouro na década anterior, levantando cinco vezes o título nacional (incluindo um tetra entre 1945 e 1948). Terminara em quarto na temporada 1950-51, mas seria de novo campeão na campanha seguinte. A partida foi disputada no estádio Nya Parken, em 10 de junho, e entrou no programa de última hora, depois de não ter havido acerto com o Helsingborg e o Kalmar.
Havia duas baixas importantes na equipe de Flávio Costa. Com distensão muscular, Bria e Nestor ficaram de fora. Válter e Dequinha formaram a dupla de médios (posição em que mais houve revezamento de nomes durante a excursão) e Aloísio entrou na ponta direita. Mas mesmo com as alterações forçadas, o Flamengo entrou disposto a cumprir uma atuação marcante em sua despedida da Suécia, em homenagem ao público local que prestigiou a equipe em todos os jogos e em retribuição à acolhida no país escandinavo.
E que atuação! Goleou o bom time do Norrköping por 6 a 1, embora, como observou o experiente jornalista Ricardo Serran, que cobriu a excursão para o Jornal dos Sports, “a contagem neste encontro é coisa secundária, porque de fato o team do Flamengo realizou uma de suas melhores exibições alardeando as virtudes individuais de seus integrantes e apresentando um trabalho coletivo apreciável que deu margem a entusiásticas manifestações do público calculado em cerca de 12 mil pessoas, presentes ao match”.
“Os cronistas locais mostraram-se entusiasmados com a boa categoria do quadro rubro-negro, ressaltando a perfeição das deslocações, dos passes, da agilidade, rapidez e habilidade de cada homem, trabalhando para o perfeito desempenho do conjunto”, prosseguiu Serran em sua crônica da partida. Em apenas cinco minutos o Flamengo já vencia por 2 a 0, com dois gols de Esquerdinha, aproveitando seu chute forte de canhota. Hermes ampliou aos 23, e o primeiro tempo terminou com o placar parcial de 3 a 0.
Na etapa final, aos 14 minutos, Índio acertou um belo chute de fora da área e marcou o quarto. Mais adiante, Esquerdinha e Hermes voltaram a balançar as redes, antes de o médio sueco Arnell descontar a goleada para 6 a 1 cobrando pênalti nos minutos finais. O Flamengo saiu de campo aclamado pelo público, tendo sido oferecido um brinde aos jogadores. E deixou a Escandinávia com oito vitórias em oito jogos, 24 gols marcados e apenas três sofridos (sendo um de penalidade) – além de polpudos US$ 5 mil em caixa.
Flamengo 5×1 Racing Paris
Depois dos dias inesquecíveis na Suécia, chegava a vez de conhecer a França. Após a viagem de Norrköping até Paris, os jogadores tiveram um dia de descanso para recobrar as energias. Mas, dos desfalques no jogo anterior, só Nestor estava inteiramente apto a entrar em campo. O Racing Paris, único adversário do Flamengo na parada francesa da excursão, vinha de um discreto 13º lugar no campeonato nacional. Mas recentemente havia obtido bons resultados na Copa da França, sendo campeão em 1945 e 1949 e vice em 1950.
O time que enfrentou o Flamengo no famoso estádio Parque dos Príncipes em 13 de junho reunia sete jogadores que defendiam ou haviam recentemente defendido a seleção da França: o goleiro René Vignal, o zagueiro Roger Lamy, o lateral-esquerdo Marcel Salva, o meia Roger Gabet e os atacantes Roger Quenolle e Georges Moreel, além do meia-atacante Henri Arnaudeau, recém-contratado do Stade Français para a temporada que se iniciaria e que faria ali um de seus primeiros jogos com a camisa do novo clube.
Após o equilíbrio inicial, o Flamengo saiu na frente logo aos oito minutos em boa jogada coletiva. Nestor cruzou para Índio, que passou a Adãozinho e este entregou na frente para Hermes, que chutou sem defesa para o arqueiro Vignal. Aos 18, Hermes teve gol bem anulado por toque de mão. Mas ele insistiria e voltaria a marcar aos 22: Dequinha, um dos destaques da excursão, deu um lençol em um adversário e fez a assistência perfeita para o meia-atacante, que chutou com força e precisão para colocar o 2 a 0 no placar.
Mesmo em boa vantagem, o Flamengo não baixou o ritmo e “continuou na ofensiva, com uma excelente demonstração de técnica e agilidade, dando trabalho insano à defesa local”, como descreveu a crônica do Jornal dos Sports. E o terceiro gol viria aos 26 minutos por intermédio de Adãozinho, após ótima combinação com Esquerdinha. Só depois desse tento, já com a folgada vantagem de 3 a 0 no placar, é que o time começou a administrar o resultado e se exibir para o público parisiense com dribles e jogadas de efeito.
Após o intervalo, o time voltou com Aloísio no lugar de Nestor e segurou a pressão do Racing, esperando a hora certa para contra-atacar. E ela veio aos 18 minutos: Esquerdinha se livrou do marcador e chutou. Vignal fez a defesa apenas parcial, a bola subiu e, no rebote, o ponta chegou antes para tocar para as redes. Aos 21, após nova combinação com Esquerdinha, Adãozinho deu drible de corpo espetacular no beque francês e chutou com violência para marcar o quinto. O Racing só desconta aos 30, numa cabeçada de Salva.
Na metade da etapa final, o ataque do Fla perdeu Índio, com distensão muscular, e logo depois também seu substituto, o improvisado lateral Beto, com torção no tornozelo. O também lateral Cido teve de entrar na ponta direita, passando Aloísio para a meia. Mas não houve maiores problemas: o Fla deu olé e saiu aplaudido de pé pelo público que lotou o Parque dos Príncipes. “Foi a melhor exibição de futebol deste ano na França”, disseram os dirigentes do Racing, satisfeitos com a excelente renda de 4,8 milhões de francos.
A repercussão também foi grande na imprensa francesa: os jornais destacaram as atuações de Dequinha, Biguá e Adãozinho, em meio ao comentário geral de que “o Flamengo conquistou Paris”. O prestigioso diário esportivo L’Équipe, por sua vez, comparou o time rubro-negro aos ases do basquete do Harlem Globetrotters: “Esses jogadores são uns acrobatas, feiticeiros da pelota”, escreveu em sua crônica. Já o Le Figaro comentou que “os jogadores brasileiros divertiram-se, literalmente, com os seus adversários”.
Flamengo 3×0 Belenenses
A última parada da excursão seria em Portugal, depois que as ofertas de alguns jogos na Espanha não foram aceitas (entre elas, a participação no Torneio Teresa Herrera, em La Coruña, no dia 29 de junho). As tratativas para os jogos no restante da programação foram feitas pelo dirigente rubro-negro Francisco Abreu, juntamente com o português Cândido de Oliveira, que havia sido técnico do Flamengo no ano anterior e era um treinador e jornalista renomado em seu país, sendo um dos fundadores do jornal A Bola.
Inicialmente, estavam certos os jogos no Estádio Nacional do Jamor contra o Belenenses no dia 17 (na preliminar do amistoso internacional entre as seleções de Portugal e Bélgica) e o Benfica no dia 23 (antecipado em um dia devido a outra partida do escrete luso, agora contra a Espanha, marcado para o local no dia seguinte). Mas este segundo acabou cancelado após os dirigentes rubro-negros não aceitaram uma contraproposta do clube português, que pretendia tirar o jogo do Jamor e leva-lo para seu campo próprio.
O Flamengo viajou de avião de Paris até Lisboa, embarcando no dia 15 e chegando no mesmo dia à capital portuguesa, onde os jogadores se hospedariam no Grande Hotel Estoril. Com Beto lesionado e descartado do restante da excursão, as dúvidas no time ficavam por conta de Nestor, Índio e Bria. Os dois primeiros, no entanto, apresentaram sensível melhora de suas lesões antes do jogo contra o Belenenses. O quadro de Bria também progrediu, mas o técnico Flávio Costa achou desnecessário forçar o retorno do médio.
Assim, o time entrou com a mesma escalação que goleara o Racing para enfrentar o Belenenses, considerado na época um dos quatro grandes de Portugal. O time das camisas azuis sagrara-se campeão português em 1946 e, até aquele momento, era o segundo no ranking dos clubes que mais haviam cedido jogadores à seleção lusa. Na temporada 1950-51, no entanto, vinha de uma campanha decepcionante, terminando na nona colocação. Mas na temporada que se seguiria voltaria a ficar entre os quatro melhores.
O Flamengo não chegou a fazer uma boa exibição, especialmente no primeiro tempo, em que teve contra si os fortes ventos que sopravam no Estádio do Jamor. Mesmo assim, ainda na primeira etapa conseguiu sair na frente com gol de Índio. Já no segundo tempo, o desempenho melhorou e o placar foi ampliado com tranquilidade. Hermes, num chutaço de longa distância, marcou o segundo. E Aloísio, que entrara no lugar de Nestor, encerrou a contagem com uma cabeçada de puro oportunismo.
Uma nota curiosa sobre o adversário é que nele atuava o atacante uruguaio Umberto Buchelli, de curta e discreta passagem pelo Flamengo (seis jogos) entre abril e maio de 1945. Ao fim da excursão, entre as muitas manifestações de carinho recebidas pela delegação em Portugal, foi oferecida no dia 20, antes do retorno ao Brasil, uma suculenta feijoada por parte do Escritório Comercial do Brasil em Lisboa, em evento que contou também com a presença dos presidentes de Belenenses, Benfica e Sporting, os três grandes clubes lisboetas.
O RETORNO NOS BRAÇOS DO POVO
A delegação embarcou de volta ao Brasil no dia 26, chegando ao Galeão na tarde do dia seguinte. E o que se seguiu foi uma aclamação popular digna de campeões do mundo. “Carnaval em junho: chega o Flamengo!”, anunciava o Jornal dos Sports. Do aeroporto, o cortejo de recepção passou pelas avenidas Brasil, Francisco Bicalho e Presidente Vargas, seguindo pela rua Uruguaiana, atravessando o Largo da Carioca e continuando pela avenida Rio Branco e pela praia do Russel até a sede rubro-negra na praia do Flamengo.
Já a partir do meio-dia, mais de quatro horas antes da previsão do desembarque, as ruas do centro da cidade já estavam tomadas de homens, mulheres e crianças com bandeiras do Flamengo. Após o pouso do avião da Scandinavian Airlines na pista do Galeão e da descida de jornalistas e dirigentes, apareceu Biguá, o primeiro jogador. Foi ovacionado. E o cortejo que veio em seguida literalmente “parou o trânsito e fechou o comércio” no centro, como descreveu o Jornal dos Sports em sua manchete do dia seguinte.
Era o Flamengo que retornava invicto da Europa, aclamado por seu povo.