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1939, 1942, 1943, 1944, Campeonato Carioca, Seleção Brasileira, Zizinho
Para se entender o lugar de Zizinho no panteão histórico do futebol brasileiro, basta dizer que ele é amplamente considerado o melhor jogador a surgir no país antes de Pelé – de quem foi confessadamente o ídolo e a inspiração. Pois esse gênio da bola, cujo centenário de nascimento é comemorado nesta terça-feira, jogou por mais de uma década no Flamengo. Profissionalizou-se na Gávea. Brilhou no primeiro tricampeonato carioca rubro-negro. Alcançou o status de maior craque do país em seu tempo vestindo o Manto Sagrado. Foi o Zico antes de Zico – e, para alguns rubro-negros da velha guarda, foi até superior a Zico, assim como outros o consideram superior mesmo a Pelé.
Os primeiros passos
De Thomaz Soares da Silva, o Zizinho, pode-se afirmar sem exagero que teve o futebol como berço. A casa onde veio ao mundo e morou na infância em São Gonçalo ficava dentro da sede do Carioca, clube do qual seu pai era dono e presidente. Com o jogo no sangue e no dia a dia, o garoto desenvolveu seu talento nas peladas de sua cidade e logo chegou ao Byron, então um dos principais clubes da vizinha Niterói (sediado no bairro do Barreto e extinto em 1978), onde atuou como amador. De lá, com 17 para 18 anos, seguiria ao Flamengo. E o resto, como se costuma dizer, é história.
Zizinho tinha todas as qualidades desejáveis num criador de jogadas: perfeito domínio da bola, elegância, drible curto, ótimo passe e visão de jogo, perícia na bola parada e arrancadas que só acabavam com a bola nas redes adversárias. Em seu livro de memórias Quando a bola era redonda, o historiador Ivan Soter aproximou, ao tentar traduzi-lo por analogia aos mais jovens, o estilo do velho mestre ao de Maradona: “Eram artistas renascentistas, apegados ao detalhe, à firula. Mas quando chegada a hora seriam capazes, sozinhos, de decidir o jogo. Quase prescindiam de acompanhamento. Eles eram o time”.
Cobrindo a Copa do Mundo de 1950 para o periódico londrino World Sports, o lendário jornalista austríaco Willy Meisl comentou sobre Zizinho após vê-lo em ação no Maracanã, na demolidora goleada de 6 a 1 que o Brasil impôs à forte seleção da Espanha: “Não se trata apenas de um craque, de um dos maiores craques que andam espalhados nas diversas partes do mundo. Este é um gênio. Um homem que possui todas as qualidades que podem ser idealizadas para um profissional chegar o mais próximo da perfeição”.
Na mesma ocasião, outro jornalista europeu – o italiano Giordano Fattori, da Gazzetta dello Sport – escreveu: “No jogo Brasil x Espanha viu-se de tudo que se poderia imaginar tecnicamente em futebol. Houve ciência, arte, balé e até jogadas de circo. Mas entre todos os onze jogadores desta equipe mágica do Brasil, um estava em relevo. Era Zizinho, o mestre da esquadra. Seu futebol fazia recordar Leonardo Da Vinci pintando alguma coisa rara. Um Da Vinci criando obras-primas com os pés na imensa tela do gramado do Maracanã”.
No Flamengo, Zizinho foi também o pioneiro de uma linhagem: a dos meias-armadores elegantes que aliavam a malícia do drible curto, a habilidade no controle de bola e o talento na organização do setor. Depois dele viriam Rubens (o Doutor Rúbis, seu sucessor no início dos anos 1950), Moacir (campeão mundial em 1958), o precocemente falecido Geraldo Assoviador, Adílio e, por fim, o Coringa Gerson. Todos eles camisas 8 (embora a numeração só chegasse ao futebol brasileiro no fim dos anos 1940). E todos pretos.
Seu futebol filigranado, no entanto, não pressupunha frieza ou indiferença à competição: era um jogador de muita garra, que não afinava nem acreditava em bola perdida. Especialmente no início de carreira, no Flamengo, seus passes perfeitos vinham quase sempre acompanhados de muito suor na camisa. “Quando os outros sucumbiam diante dos fortes e violentos beques, Zizinho ia mais à frente e, com fibra e coração, abria espaço, marcava gols”, escreveu Geraldo Romualdo da Silva, nome histórico da crônica esportiva brasileira.
Muito antes da aclamação mundial, o garoto Zizinho tinha aspirações mais modestas. Admirava dois grandes jogadores revelados pelo futebol niteroiense, o médio Oscarino e o atacante Clóvis (pai de Gerson, o Canhotinha de Ouro), ambos campeões cariocas com o America em 1935. Por extensão, era torcedor rubro e sonhava atuar pelo time ao lado dos ídolos. Mas ao bater à porta de Campos Sales, foi dispensado sem nem treinar, sob o argumento de que era “muito mirrado” e que o clube estava “muito bem servido de meias”.
Ganhou uma chance no São Cristóvão, mas no treino ousou driblar Afonsinho, médio-esquerdo da seleção brasileira e inspetor de polícia, um dos jogadores mais duros de seu tempo. Levou um pontapé no joelho e deixou o campo carregado. Mas tudo mudaria para o jovem – que na época trabalhava como operário do Lloyd Brasileiro – ao ser indicado para o Flamengo pelo olheiro Ari Fogaça. O treino na Gávea, porém, já estava por terminar sem que ele recebesse uma chance. Até Leônidas sentir uma fisgada e pôr a mão na coxa.
“Quem é aquele garoto de Niterói que joga de meia-direita?”, perguntou Flávio Costa, técnico rubro-negro, ao se virar para os jogadores à beira do campo. Zizinho se apresentou, levantando o braço um tanto acanhado, e o treinador – direto, bem ao seu estilo – deu a ordem: “Entra no lugar do Leônidas”. Zizinho respondeu à missão de substituir no treino o maior jogador e ídolo do futebol brasileiro de então com dois gols e algumas grandes jogadas. Sem dúvida impressionou. “Volte amanhã, quero te ver de novo”, disse Flávio.
E o garoto foi ficando de vez. Na estreia pelos aspirantes, um Fla-Flu, fez um golaço de bicicleta, ao estilo de Leônidas. Pelo time de cima, saiu-se bem em seu batismo de fogo, os dois amistosos do Flamengo, campeão carioca naquele ano de 1939, contra o Independiente em São Januário em 24 e 31 de dezembro. O que motivou comentário curioso do argentino Agustín Valido, meia-direita titular do Fla: “No ano que vem vou pedir para disputar a ponta-direita com o Sá. Pelo que esse muchacho joga não vai haver lugar para mim”.
A afirmação
Por um breve período – a temporada de 1940 e pouco mais – o time do Flamengo contou ao mesmo tempo com três dos maiores jogadores (alguns diriam os três maiores jogadores) do futebol brasileiro antes de Pelé: Domingos da Guia, Leônidas da Silva e Zizinho. O restante da equipe, porém, era algo desnivelado. Ainda assim, os rubro-negros ficaram a um ponto do bi carioca (o título ficou com o Fluminense) e eram os líderes, junto com os tricolores, de um Torneio Rio-São Paulo encerrado abruptamente ao fim do primeiro turno quando os paulistas decidiram abandoná-lo, alegando prejuízos financeiros.
Para Zizinho, além da afirmação meteórica como titular rubro-negro (atuou em todos os jogos da campanha do Carioca), aquela temporada marcou ainda sua primeira convocação para a seleção do então Distrito Federal e a conquista do Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais. Na decisão, disputada já em janeiro de 1941, os cariocas perderam para os paulistas por 3 a 1 no primeiro jogo, no Pacaembu, mas golearam por 4 a 0 em Laranjeiras e levantaram a taça com um empate em 2 a 2, de novo no Pacaembu.
Leônidas atuou pela última vez com a camisa do Flamengo em fevereiro de 1941 e daí em diante entrou em um longo litígio com o clube, encerrado somente com sua venda ao São Paulo em abril do ano seguinte. Ainda em 1941, a equipe rubro-negra iniciou um processo de reformulação com as chegadas de Jayme de Almeida, Pirillo, Vevé e Biguá. O título ficou outra vez com o Fluminense por um ponto, mas o novo time aos poucos ganhava liga. E acrescido do atacante Perácio e do goleiro Jurandyr, iniciaria seu tri em 1942.
A saída do Diamante Negro também fez crescer o status de Zizinho dentro do clube: aos 20 anos, ele se convertia não apenas em uma realidade como no jogador mais badalado do setor ofensivo rubro-negro, demonstrando um amadurecimento espantoso para a época, digno dos gênios. No esquema de Flávio Costa, ele exercia papel central na equipe ao desempenhar a função do meia de ligação pela direita, um dos vértices do losango ligeiramente torto de meio-campo na chamada “diagonal” adaptada do WM pelo treinador.
E aquele Flamengo seria reconhecido como um esquadrão histórico do clube e do futebol carioca e brasileiro. Sobretudo por conquistar três títulos consecutivos num tempo em que, como dizia o treinador uruguaio Ondino Viera (que levantaria o caneco pelos rivais Fluminense e Vasco), o campeonato era “uma guerra”. Na equipe rubro-negra campeã de 1942, todos os titulares – à exceção óbvia dos argentinos Carlos Volante e Agustín Valido – defenderam naquela época ou em algum momento a seleção brasileira. E vários certamente teriam disputado as Copas de 1942 e 1946 que a Segunda Guerra cancelou.
O próprio Zizinho teria sido um deles, visto que estrearia na seleção naquele ano de 1942, em janeiro, no Sul-Americano em Montevidéu. Junto com ele no escrete dirigido por Ademar Pimenta, outros três rubro-negros: o zagueiro Domingos da Guia, o médio-esquerdo Jayme de Almeida e o centroavante Pirillo. Todos eles também fundamentais na conquista do título carioca em outubro, num certame no qual o Flamengo começou oscilante antes de enfileirar 15 vitórias seguidas. O sprint final tornou suficiente o 1 a 1 com o Fluminense em Laranjeiras na última rodada para selar a conquista.
Para 1943, o Flamengo perdeu o ponta-direita Valido, que se retirou dos gramados para cuidar de sua gráfica. Mas compensou trazendo, na reta final, outro estrangeiro: o paraguaio Modesto Bria, que ganhou a posição de centromédio do veterano Volante. Assim, o bicampeonato veio de maneira ainda mais tranquila: apenas uma derrota em 18 jogos (para o America na quarta rodada) e goleadas a granel nos últimos três jogos: 5 a 1 no Bonsucesso, 6 a 2 no Vasco e 5 a 0 no Bangu na Gávea, na partida que confirmou o título.
O tri, por outro lado, foi dramático. Além de ficar sem o extraordinário zagueiro Domingos da Guia, vendido ao Corinthians no início do ano, o Flamengo ainda perdeu, em pleno campeonato, o ponta-de-lança Perácio, recrutado como pracinha pela Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália durante a Segunda Guerra. Quarto colocado na virada do turno, cinco pontos atrás do Fluminense na segunda rodada do returno, estava desacreditado e descartado da briga pelo título. Até mais uma vez começar a vencer seguidamente.
Na penúltima rodada, com a volta do ex-aposentado Valido, goleou o antigo líder Fluminense por 6 a 1, chegando em igualdade de condições com o Vasco à decisão em confronto direto no último jogo, na Gávea. Mas o esforço parecia cobrar seu preço, e o time chegou arrebentado à semana que antecedeu a partida. Pirillo sofria de orquite (inflamação nos testículos). Vevé tinha o joelho esquerdo inchado. E Valido tinha febre de quase 40 graus. Mas faria de cabeça, aos 41 minutos do segundo tempo, o gol da vitória por 1 a 0.
O maior craque do país
Junto com o trio da chamada “linha média” (Biguá, Bria e Jayme), Zizinho foi um dos únicos do time a participar integralmente daquela – acidentada, mas ao final vitoriosa – terceira campanha. E embora não fosse exatamente um artilheiro, balançava as redes com regularidade: nos 59 jogos que disputou num total de 63 da campanha somada do tricampeonato, anotou 26 gols. Assim, tornava-se cada vez mais indiscutível no posto de melhor meia-armador do futebol brasileiro, dono da posição nas seleções carioca e brasileira.
Na primeira, seria novamente campeão brasileiro de seleções no fim daquele ano, brilhando como o grande destaque na melhor de três decisiva contra os paulistas. Já no escrete nacional, no Sul-Americano de 1945 disputado no Chile, ele integraria um formidável quinteto ofensivo completado por Tesourinha, Heleno de Freitas, Jair Rosa Pinto e Ademir de Menezes. E no fim do mesmo ano venceria a Copa Roca, com direito a goleada histórica de 6 a 2 sobre os argentinos em São Januário na segunda das três partidas.
No ano seguinte, ele voltaria a se destacar no Sul-Americano, agora disputado na Argentina. Na goleada de 5 a 1 sobre o Chile, ele se converteria no primeiro jogador a balançar as redes quatro vezes numa mesma partida pela seleção brasileira (marca que só seria superada por outro rubro-negro, Evaristo de Macedo, contra a Colômbia em 1957). Zizinho, que detém até hoje a artilharia histórica da Copa América com 17 gols em seis edições, vestiu a camisa do Brasil 26 vezes como jogador do Flamengo e anotou também 17 gols.
O grande time rubro-negro, porém, entrou em longo declínio na segunda metade dos anos 1940, com seus craques envelhecendo, se aposentando ou saindo para outros clubes, sem encontrar substitutos à altura. Zizinho, entretanto, era um caso à parte. Seu futebol continuava em alta no clube e na seleção. Mas duas sérias fraturas na perna direita, quase uma após a outra, afastaram o meia da equipe por praticamente dois campeonatos inteiros. Não houve como o time não sentir a ausência de seu gênio do meio-campo.
A primeira aconteceu em julho de 1946, logo na estreia do Flamengo no Carioca, diante do Bangu no estádio do São Cristóvão, em Figueira de Mello. “Foi uma estupidez minha. O jogo estava ganho [os rubro-negros venciam por 4 a 0], mas eu queria mais. Fui com toda a velocidade numa jogada na linha de fundo. Quando tentei cruzar, por causa do gramado irregular, acabei furando e acertando a trava da chuteira do Adauto” relembrou Zizinho, que sempre fez questão de eximir o adversário de qualquer culpa no lance.
“Pedi que levassem o Adauto ao hospital para me visitar. Ele foi e parecia meio envergonhado. Fui logo dizendo: ‘Negão, o que aconteceu, aconteceu. Tem gente que quebra a perna andando na rua, sendo atropelado ou descendo uma escada. Eu quebrei no meu trabalho. Nós vamos continuar amigos. Esqueça isso, desça o cacete no próximo jogo, pois o que ocorreu foi um acidente’”, rememorou o Mestre Ziza, que alguns anos antes já havia se envolvido em outro controverso lance que resultou numa fratura.
Foi em 1942, num jogo entre cariocas e paulistas pelo Campeonato Brasileiro de Seleções no Pacaembu. Numa dividida forte, Zizinho e o zagueiro Agostinho, do Corinthians, se chocaram e o beque teve a perna fraturada. Com a rivalidade inflamada pelo alto-falante do estádio, que dizia estar o defensor alvinegro “à beira da morte” nos vestiários, o meia passou a ser perseguido pelo público, que gritava “É esse! É esse!” a cada vez que tocava na bola. O lance deixou Zizinho marcado por muitos anos no futebol paulista.
A perna partida no choque com Adauto deixou Zizinho de fora dos gramados por nove meses, desfalcando o Flamengo por todo o Campeonato Carioca de 1946 e voltando a jogar somente em abril do ano seguinte. Aos treinos ele havia retornado pouco antes, mas seus companheiros de clube evitavam as divididas com ele, temendo um novo incidente. Foi quando o meia tomou decisão surpreendente e impensável para os dias de hoje, mas que evidenciava sobretudo a raça e a coragem em campo que sempre o marcaram.
“Pedi licença ao Flamengo durante um mês e fui jogar umas peladas em Niterói, naqueles campos bravos, onde o pau cantava. Fui testar se estava bom, porque no Flamengo não conseguia. Os caras tiravam a perna na hora de rachar. Pois me enfiei entre aqueles zagueiros maus para me acostumar de novo a levar pancadas e não ter medo”, contou o meia. O ato de bravura, porém, não impediria nova fratura na mesma perna dali a alguns meses, numa entrada de Jorginho, do America, em sua quinta partida pelo Carioca de 1947.
Por incrível que pareça, Zizinho ainda chegou a atuar com a perna quebrada: “Com o perônio partido, joguei ainda duas partidas. Só depois da segunda, contra o Olaria na Gávea, comecei a sentir dores terríveis. Quando saltei da barca em Niterói, não podia mais andar. Fui carregado por torcedores até em casa. Ainda por cima, chovia muito nesse dia. Fiquei gelado de tanta dor. No dia seguinte, minha mãe, que era enfermeira, me levou no hospital e ficou constatado que estava mesmo com a perna fraturada”, lembrou o craque.
Com a nova lesão, Zizinho ficou outros cinco meses de molho. A solidariedade e as mensagens de carinho e apoio vieram de torcedores de todos os clubes, tamanha a admiração que despertava. Quer dizer, quase todos. Mesmo muito amigo do atacante vascaíno e colega de seleção Ademir de Menezes, Zizinho costumava ser hostilizado por cruzmaltinos sempre que se apresentava em São Januário para treinos ou jogos. O que provocou situações curiosas, como a que aconteceu no amistoso entre Flamengo e Rapid Viena, em 1949.
Recém-operado do apêndice, Zizinho era como sempre vaiado por torcedores do Vasco presentes ao jogo. E em dado momento, o jogador não se conteve: virou-se para as sociais do estádio e baixou o calção para mostrar as cicatrizes da cirurgia. Só que o calção escorregou, descendo até os pés. De frente para a torcida do eterno rival, Zizinho gesticulava seminu da cintura para baixo. Horrorizados, os vascaínos exigiram a prisão imediata do jogador por atentado ao pudor. O meia acabou substituído antes que a coisa piorasse.
O craque já contou duas versões sobre o caso. Numa delas, o calção caiu sem querer. Já em outra, o gesto foi deliberado: “Me vaiavam sempre. A bronca é a seguinte. O Vasco tinha aquele famoso trio atacante: Ademir, Jair e Lelé, e sempre abriam uma vaguinha para mim, quando se tratava de seleção carioca ou brasileira. Não me perdoavam ser flamengo. Naquele dia do jogo com o Rapid, não me contive. Deixei o calção cair até quase os pés. Aí o pessoal do Vasco exigiu que eu fosse preso”, contou em entrevista de 1988.
Ainda em 1949, sua participação fundamental no título da seleção brasileira no Campeonato Sul-Americano disputado aqui reiterou seu status indiscutível de maior craque do país. Como ídolo também convivia, por exemplo, com grandes nomes da música brasileira, entre eles os rubro-negros Wilson Batista e Ataulfo Alves e o torcedor americano Silvio Caldas, que chegava a visita-lo ao fim dos treinos na Gávea. Aquela mesma temporada, entretanto, seria sua última do começo ao fim como jogador do Flamengo.
A saída da Gávea
Há muitas versões para a venda de Zizinho ao Bangu, uma das negociações mais bombásticas da história do futebol brasileiro, em março de 1950. A mais contada é a que o presidente rubro-negro Dario de Mello Pinto teria ironizado o banguense, Guilherme da Silveira Filho, quando este afirmou que seu clube pretendia um reforço de peso, como Zizinho. Após ouvir do mandatário do Fla que os alvirrubros nunca teriam dinheiro para a contratação, Silveirinha perguntou o preço e de pronto fez o cheque de Cr$ 800 mil, uma fortuna.
Outra versão conta que o Flamengo queria um jogador do Bangu, o atacante Mariano, e que em troca, sugeriu que Silverinha pudesse escolher qualquer um do elenco rubro-negro. “Só quero o Zizinho”, retrucou o presidente banguense. E há ainda a que relata uma compensação: o cartola alvirrubro era filho de Manoel Guilherme da Silveira, então Ministro da Fazenda e patrono do clube, e Dario teria pedido a ele para que intercedesse junto ao pai para receber uma concessão de loteria. Em troca, Silveirinha pediu o Mestre Ziza.
Em todos os casos o desfecho foi o mesmo: Zizinho ficou profundamente magoado com Dario. Não imaginava que o cartola rubro-negro pudesse sequer admitir negociá-lo. “Difícil dizer o que me magoou mais. Se a perda daquela Copa [de 1950] ou a minha saída do Flamengo. Acho que foi a saída do Flamengo. A maneira como os homens que dirigiam o Flamengo fizeram a transação me machucou muito. Nunca aceitei”, lamentou o craque na mesma entrevista de 1988. O destino de Zizinho, porém, quase foi outro, fora do país.
Decepcionado com os dirigentes rubro-negros e decidido a deixar a Gávea, Zizinho chegou a ser cogitado no chamado “Eldorado” colombiano, a liga pirata local que importava craques de outros países, como os argentinos Di Stéfano e Pedernera, o brasileiro Heleno de Freitas e até o inglês Neil Franklin, oferecendo-lhes salários altíssimos e sem pagar pelo passe aos clubes de origem. Mas no Bangu, amparado pelo investimento da próspera fábrica têxtil que levava o mesmo nome do clube e do bairro, dinheiro não era problema.
Aproximava-se a Copa do Mundo do Brasil. E Zizinho, nome inquestionável entre os titulares da seleção, disputaria aquele torneio – do qual sairia aclamado pela imprensa internacional e eleito o melhor jogador do mundo – não mais como jogador do Flamengo, e sim do Bangu. Por ironia, o meia só vestiria a camisa alvirrubra pela primeira vez após o Mundial (“Fiquei recebendo pelo Bangu sem ter pisado em Moça Bonita”, lembrou). Sendo assim, resta o consolo: o futebol que o levou à Copa foi o que exibiu envergando o Manto rubro-negro.
O Flamengo, porém, ficou órfão. O abalo da perda incalculável foi sentido dentro e fora de campo, numa ressaca que custou a passar. Aquela temporada de 1950 marcaria uma das piores campanhas da história do clube no Carioca (sétimo lugar, perdendo metade de seus 20 jogos), tornada ainda mais amarga com a humilhante goleada de 6 a 0 sofrida para o Bangu no jogo que ficou conhecido como a “vingança de Zizinho”. O Flamengo só se reergueria a partir de 1953, com o início da caminhada para o segundo tri carioca.
Mestre Ziza também marcaria época no Bangu (onde atuaria por sete anos, até novembro de 1957) e, perto do fim da carreira, ainda levantaria um título estadual com o São Paulo, por onde passou após deixar Moça Bonita. Ainda como jogador banguense, teria – entre idas e vindas – alguns bons momentos defendendo a seleção. Retirado oficialmente dos gramados em 1962, já aos 41 anos de idade, quando aliava as funções de jogador e técnico no Audax Italiano, do Chile, Zizinho nunca mais trabalharia no Flamengo.
Mas, mesmo com toda a mágoa que guardou dos dirigentes que cometeram o crime de lesa-Nação ao vendê-lo, o velho mestre nunca esqueceu sua paixão em vermelho e preto. “Passei 11 anos no Flamengo. Fui tricampeão pelo Flamengo. Sou flamengo até hoje, embora goste também do Bangu e do São Paulo, clubes que me trataram de forma estupenda, maravilhosa”, contou na entrevista de 1988. Zizinho vestiu o Manto Sagrado por 328 vezes e anotou 145 gols, marca que o coloca como o nono maior goleador da história do clube.