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Lateral-esquerdo que aliava seriedade na marcação à qualidade técnica no apoio, além do ímpeto e da valentia durante os 90 minutos, Paulo Henrique marcou uma era com a camisa 6 rubro-negra ao suceder o veterano Jordan em 1963 e, com apenas 20 anos, iniciar outra dinastia na posição. Foi titular por quase uma década, capitão por muitos anos e jogador de seleção brasileira, além de referência de regularidade num período difícil para os rubro-negros, a exemplo de Murilo (seu colega na outra lateral, de quem recentemente lembramos por ocasião de seu falecimento) e do elegante meia Carlinhos “Violino”. Nesta quinta-feira, Paulo Henrique completa 80 anos.

O INÍCIO

Nascido em Quissamã (então distrito de Macaé, norte do antigo estado do Rio de Janeiro) em 5 de janeiro de 1943, Paulo Henrique Souza de Oliveira sempre teve o futebol no sangue: seu pai jogou no time local e vários de seus 11 irmãos também se tornariam profissionais. Antes de chegar ao Flamengo, porém, o garoto teve de deixar os estudos e trabalhar por dois anos como aprendiz de torneiro mecânico na Usina de Açúcar de Quissamã. Até que atraiu a atenção de olheiros rubro-negros e acabou tomando o rumo da Gávea no fim de 1958.

Chegou a tempo de levantar o título carioca da categoria infanto-juvenil, o qual voltou a ganhar no ano seguinte. Já em 1960, subindo aos juvenis, seguiu acumulando títulos estaduais, interestaduais e até nacionais pela seleção carioca. Nessa categoria, atuaria com muitos futuros companheiros também no profissional, como o zagueiro Jaime Valente, o atacante Aírton “Beleza” e o ponta-de-lança Jair Bala, que logo deixaria a Gávea. Ainda naquele ano, ele sentiria o primeiro gostinho de jogar pelo time de cima.

O técnico rubro-negro era Fleitas Solich, famoso por prestigiar a base e que se via às voltas com o raro desfalque de Jordan, ausente devido a uma contratura da partida contra o Madureira em Conselheiro Galvão, no dia 23 de outubro. Em vez de recorrer aos reservas imediatos da posição, Silas e Vanderlei Mancilha, Solich optou por testar o garoto de 17 anos dos juvenis. Por ironia, a missão de Paulo Henrique – ou Paulinho, como era chamado – naquele dia seria marcar um futuro companheiro: Nelsinho, então ponta do Tricolor Suburbano.

No time campeão carioca juvenil de 1960, Paulo Henrique é o último em pé.

A boa atuação na vitória rubro-negra de virada por 2 a 1 (gols de Gerson e Germano, outros dois jogadores com quem ele havia atuado rapidamente na base) rendeu elogios de Solich, que logo o devolveu aos juvenis com um conselho: “Continue trabalhando”. Porém, Paulo Henrique só ganharia outra chance no elenco principal em meados de 1962, durante a excursão europeia do Flamengo, agora comandado por Flávio Costa. Já a promoção definitiva só viria dali a pouco mais de um ano, durante o Campeonato Carioca de 1963.

Em meio à campanha oscilante naquele primeiro turno da competição, Flávio Costa empreendia uma reformulação ampla na equipe, barrando vários titulares antigos – entre eles Jordan. Após a derrota por 2 a 1 para o Bangu, pela nona rodada, o Flamengo viajaria a Fortaleza para amistoso com o Ferroviário-CE no dia 8 de setembro, e Paulo Henrique mais uma vez foi testado. Entrou para não sair mais do time até o fim da temporada, consagrada com o título carioca no épico Fla-Flu que levou mais de 194 mil torcedores ao Maracanã.

TITULAR, CAMPEÃO, CAPITÃO

Lateral-esquerdo destro tal qual Jordan (nos tempos de Quissamã, ele atuava pelo lado direito da defesa), Paulo Henrique preservava de seu antecessor as qualidades na marcação, como a ótima antecipação e a lealdade, com outras bossas: era veloz, valente e de grande fôlego – ainda que, inicialmente, fosse mais contido no apoio que Murilo, seu correspondente do lado direito. Tinha, no entanto, boa técnica, passava bem e sabia limpar as jogadas, qualidades lapidadas durante o tempo em que jogou de meia-armador nos aspirantes.

Seguro em suas atuações, Paulo Henrique se firmaria de tal forma que aquela vitória no amistoso contra o Ferroviário-CE por 4 a 3 marcaria o início de uma impressionante sequência de 108 jogos consecutivos como titular do Flamengo, estendendo-se até maio de 1965. No meio do caminho, chegou a ser convocado pela seleção brasileira que disputaria o torneio pré-olímpico de olho nos Jogos de Tóquio. Mas, num tempo em que só amadores podiam ser incluídos, ele foi cortado após o Flamengo lembrar que ele já tinha contrato profissional.

Em 1963, seu primeiro ano no time de cima: campeão carioca aos 20 anos.

Com a chegada do técnico argentino Armando Renganeschi para o lugar de Flávio Costa, no meio de 1965, Paulo Henrique desenvolveria a parte ofensiva de seu jogo, tornando-se definitivamente um lateral completo. A Revista do Esporte já enfatizava sua qualidade na saída de bola, apontando que Paulo Henrique “não se preocupa apenas em defender, mas sim em iniciar um contra-ataque. Sabe tocar bem a bola, driblando com facilidade e inclusive tenta chutes a gol”, predicados que o jogador atribuía ao seu tempo de meia nos aspirantes.

Antes, na mesma matéria, a publicação já havia destacado sua garra e dinamismo: “A vitalidade de Paulo Henrique é qualquer coisa de notável. Os rubro-negros da velha guarda veem nele um novo Biguá, pelo sangue, pela decisão, pela vontade como que se emprega em campo, atirando-se em todos os lances com um ardor fora do comum, quase suicida”. Duro, porém leal: ainda no texto, Paulo Henrique afirmava que não sabia apelar a pontapés. “Isso não está em mim. Jogo exclusivamente na bola e não sei machucar ninguém”.

Tais palavras eram referendadas por outro jogador ascendente naquele período, o botafoguense Jairzinho, que em outra matéria da Revista do Esporte avaliou seus adversários e comentou sobre Paulo Henrique: “É um dos meus melhores marcadores. Ele é muito rápido e dificilmente permite que um ponteiro domine a bola, pois se antecipa ou chega junto, dificultando bastante o trabalho de quem joga por aquele lado. Joga duro, mas sempre na bola e eu, pelo menos, não posso me queixar de uma entrada violenta que tenha sofrido dele”.

A seriedade, aliás, era uma das marcas de Paulo Henrique, assim como o bom diálogo. E durante a grande campanha do título carioca de 1965, estes atributos conduziriam o lateral-esquerdo de apenas 22 anos ao posto de capitão do time em algumas partidas – e, dentro de pouco tempo, em caráter definitivo. Eleito o melhor jogador da posição no futebol carioca naquela temporada, só faltava a convocação para a seleção brasileira para confirmar seu grande momento. E ela viria no ano seguinte, na preparação para a Copa do Mundo.

NA SELEÇÃO, PASSAGEM DIGNA

Na lista de 47 nomes divulgada no início de abril, logo após a disputa do Torneio Rio-São Paulo, Paulo tinha três adversários pelas duas vagas de lateral-esquerdo na seleção que iria à Inglaterra. O botafoguense Rildo era o grande candidato a titular. O corinthiano Édson “Cegonha” contava com o apoio da imprensa paulista. E o vascaíno Oldair tinha como trunfo a versatilidade, sendo capaz de atuar em outras posições. Mas, correndo por fora, o rubro-negro logo impressionou a comissão técnica nos treinos e jogos preparatórios.

Num treino da seleção, saltando obstáculos com o banguense Fidélis (à direita).

A nota foi publicada pela Revista do Esporte e dizia: “Em suas informações filtradas, a Comissão Técnica do escrete deixou escapar uma revelação: o comportamento de Paulo Henrique, calmo, tranquilo e sério (em campo e fora dele), tem surpreendido ao alto comando da seleção, por se tratar de um calouro”. Muito aplicado nos treinos, em ótima forma física e técnica, além de simpático e acessível com imprensa e torcida, o cartaz do lateral rubro-negro cresceu durante a preparação em Lambari, Caxambu, Teresópolis e Serra Negra.

Após os amistosos de maio, em que Paulo Henrique estreou no empate em 1 a 1 com o Chile no Morumbi, Édson seria o primeiro descartado. Nos amistosos de junho, ele foi bem na goleada de 4 a 0 sobre o Peru no Morumbi e teve atuação destacada, avaliada como “perfeita” pelo Jornal do Brasil, na vitória de 2 a 1 sobre a Polônia no Maracanã, partida que antecedeu a nova lista de cortes, a última feita antes do embarque para a Europa. Mantido no elenco, o lateral ainda atuaria em dois amistosos por aqui, contra a Tchecoslováquia.

O Brasil venceu o primeiro por 2 a 1 e empatou o segundo em 2 a 2, no qual Paulo Henrique teve sua atuação assim comentada pelo Jornal do Brasil: “Está também em excelente forma. Mostrou grande combatividade e categoria. Não desperdiçou passes e ainda arranjou fôlego para levar o time ao ataque”. Já na Europa, foi titular nos amistosos contra as seleções da Escócia (1 a 1, com mais uma atuação bastante destacada e elogiada pela imprensa) e da Suécia (3 a 2) e contra os times do Atlético de Madrid (5 a 3) e do Malmö (3 a 1).

Inscrito com a insólita camisa 8 (os jogadores foram numerados por setor, titulares e reservas, à exceção de Pelé, que manteve a 10), Paulo Henrique foi um dos destaques da estreia satisfatória, mas sem brilho, do Brasil na Copa contra a Bulgária. Nem mesmo uma pancada violenta recebida do lateral Shalamanov logo aos três minutos de jogo fez com que ele afinasse: tendo como missão marcar o perigoso ponteiro Dermendjiev, Paulo Henrique botou o adversário no bolso, defendeu e apoiou na vitória brasileira por 2 a 0.

Na Inglaterra com a seleção: salvando-se do desastre canarinho.

Sua atuação mereceu elogios inclusive do técnico da Bulgária, o tcheco Rudolf Vytlacil, que o considerou um dos “ótimos novatos” da seleção brasileira. A empolgação da estreia, contudo, acabou no segundo jogo com a derrota para a Hungria por 3 a 1, em que toda a equipe brasileira – sem Pelé – foi engolida pelos magiares e ficou em situação difícil no Grupo 3. Paulo Henrique, porém, não atuaria contra Portugal: o Brasil entrou com nove (!) alterações no time titular, mas nem assim escapou de nova derrota (3 a 1) e da eliminação.

A inexplicável barração do lateral rubro-negro recebeu uma chuva de críticas, desde o jornalista Armando Nogueira até o ex-chefe da delegação brasileira Paulo Machado de Carvalho, passando pela própria imprensa inglesa, que o considerou o melhor jogador do Brasil no Mundial. Paulo Henrique, porém, se mostrou tranquilo no retorno ao Brasil. Mas criticou a falta de conjunto da equipe em virtude das constantes trocas de jogadores, além da a falta de preparo físico, tático e psicológico para enfrentar o jogo duro dos europeus.

A METADE FINAL DA DÉCADA

No segundo semestre, durante o Campeonato Carioca, Paulo Henrique viveria emoções distintas. No Fla-Flu do returno, em 23 de outubro, ele marcaria um golaço fechando a vitória rubro-negra por 2 a 0 ao acertar chute de pé direito da intermediária no canto do goleiro Jorge Vitório. Mas na decisão contra o Bangu, perdida por 3 a 0, ele se veria envolvido no tumulto que levou ao fim precoce da partida: o soco que levou do banguense Ladeira foi o estopim para que o atacante rubro-negro Almir brigasse com o time adversário inteiro.

A temporada seguinte, 1967, seria minada por problemas físicos esporádicos, além de uma lesão sofrida na Europa que o deixa de fora por dois meses e meio. Porém, ele ainda faria mais um jogo pela seleção naquele ano, em 19 de setembro, na vitória de 1 a 0 sobre o Chile em Santiago. Na ocasião, o Brasil foi representado pelo escrete carioca dirigido por Zagallo. Ele ainda voltaria a ser chamado no fim de outubro de 1968 para dois amistosos contra o México e um contra a seleção da Fifa, mas desta vez não chegaria a entrar em campo.

Paulo Henrique em 1966: símbolo de regularidade em tempos difíceis no Fla.

Naquele fim da década, ele participaria de jogos marcantes do Fla: o empate em 1 a 1 com a Argentina em Avellaneda em 1966; a goleada de 5 a 1 sobre o Cruzeiro de Tostão na reabertura do Maracanã para a temporada 1968; o título do Troféu Mohamed V no Marrocos, com vitória sobre o Racing campeão mundial, no mesmo ano; e a vitória sobre o Botafogo em 1969 no jogo que encerrou um jejum de vitórias sobre o rival e foi precedido pelo voo de um urubu sobre o estádio, levando o clube a adotar de vez a ave como mascote.

Paulo Henrique também participaria das conquistas do intenso ano de 1970, quando o Fla foi dirigido pelo controvertido Yustrich: o Torneio Internacional de Verão (quando participou das goleadas sobre a seleção da Romênia por 4 a 1 e sobre o Independiente argentino por 6 a 1) e a Taça Guanabara, então um torneio à parte do Campeonato Carioca, levantada após o empate em 1 a 1 com o Fluminense no dia 31 de maio. Em fevereiro do ano seguinte, porém, uma briga feia com o técnico afastaria o lateral da Gávea pela primeira vez.

Rigoroso, autoritário e em muitas vezes apresentando um comportamento que hoje poderia ser descrito como “passivo-agressivo”, o treinador já havia se desentendido seriamente com vários nomes do elenco, inclusive com quem ele se considerava “padrinho” – o que forçou muitas saídas precipitadas do clube, como as de Brito, Mário Sérgio e Doval, emprestado ao Huracán. Também foi o caso de Paulo Henrique, que após quase 13 anos de clube, se viu cedido por empréstimo ao Botafogo, numa troca pelo atacante Roberto Miranda.

O COMEÇO DA DESPEDIDA

O empréstimo duraria seis meses, estendendo-se por todo o Campeonato Carioca e pela Taça Guanabara, que viria logo em seguida. Para a sorte de Paulo, quando retornou à Gávea já não era mais Yustrich quem dava as cartas, e sim seu velho conhecido Fleitas Solich. A reestreia do lateral aconteceria contra o Bahia na Fonte Nova pelo Brasileiro, em 11 de agosto – curiosamente o jogo em que Zico marcaria seu primeiro gol pelo time profissional rubro-negro. Ainda assim, Paulo Henrique começava a viver seus últimos momentos no clube.

Campeão do Torneio do Povo: uma das derradeiras conquistas.

No começo de 1972, o lateral venceria mais um Torneio Internacional de Verão (este, com Benfica e Vasco), além do Torneio do Povo contra Bahia, Atlético-MG, Corinthians e Internacional. E ainda participaria do começo da campanha da Taça Guanabara, que naquele ano era enfim incorporada ao Estadual como seu primeiro turno. Mas, aos 29 anos, o lateral já não tinha a mesma vitalidade que havia marcado seus melhores momentos. Foi quando Zagallo, o novo técnico rubro-negro, decidiu adaptar o versátil Rodrigues Neto à posição.

Sem espaço, Paulo Henrique decidiu aceitar uma proposta para defender o Bahia por empréstimo até o fim daquele ano. Dali em diante, não voltaria a vestir a camisa rubro-negra: passaria pelo Avaí (onde reencontrou Válter Miraglia, seu antigo treinador nos juvenis do Flamengo), Operário de Campo Grande, Bonsucesso (pelo qual chegou a vencer o Fla num jogo do terceiro turno do Carioca de 1974) e, por fim, o Campos Atlético Associação, onde acumulou os cargos de jogador e treinador, pendurando as chuteiras em 1975, aos 32 anos.

Seu último jogo pelo Flamengo, uma vitória de 2 a 0 sobre o Madureira – curiosamente o mesmo adversário de sua estreia no profissional – no dia 18 de março de 1972, seria o de número 438 pelo time profissional rubro-negro. Era um número de muito respeito: naquele momento, apenas quatro jogadores haviam vestido o Manto mais vezes do que ele na história. O primeiro era o seu antecessor Jordan; em seguida, vinha seu contemporâneo Carlinhos, que se retirara em 1970; logo depois Jadir; e, em quarto, seu colega de lateral Murilo.