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Foi o contrato de patrocínio mais longo e, sem dúvida, o mais emblemático do futebol brasileiro: por 25 anos, de 1984 a 2009, o Flamengo exibiu na camisa a marca do óleo Lubrax, fabricado pela Petrobras, num acordo hoje encarado (por torcedores rivais) como controverso, para não dizer indevido. Para elucidar como tudo se deu, contamos aqui não só a história deste patrocínio como a do patrocinador, fazendo no fim do texto um balanço de quem teria se servido melhor dessa publicidade, com o objetivo de responder a certos estigmas.

“NOSSA GENTE, NOSSO ÓLEO”

Antes de começar a contar a história, um esclarecimento é necessário: a empresa que patrocinou o Flamengo não foi a matriz Petrobras, e sim uma subsidiária, a Petrobras Distribuidora S/A. A primeira, criada por Getúlio Vargas em 1953 em meio ao movimento de nacionalização da exploração do petróleo brasileiro, abriria seu capital quatro anos depois ao colocar parte de suas ações à venda no mercado – o que ficaria mais escancarado décadas depois, a partir de 1997, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso.

A subsidiária, por sua vez, teve sua criação aprovada em 27 de julho de 1971 durante assembleia extraordinária entre os diretores e acionistas da Petrobras realizada no Rio de Janeiro. E seria implantada no dia 12 de novembro do mesmo ano. A nova empresa teria como finalidade atuar na distribuição e comercialização de derivados de petróleo fabricados pela Petrobras. Com esse objetivo, substituía a Superintendência de Distribuição, órgão do Departamento Comercial da companhia petrolífera nacional.

“Um dos objetivos que resultaram na criação da Petrobras Distribuidora S/A é o de situar a empresa, no futuro, entre as que ocupam as primeiras posições no setor, ou seja, a Esso e a Shell que, juntamente com a Texaco e a Atlantic, detêm cerca de 65% do mercado distribuidor. A Petrobras é apontada como contando com 17%, ficando o restante entre empresas de médio e pequeno porte”, explicava a nota publicada no Jornal do Brasil de 14/15 de novembro de 1971, dias após ser anunciada a implantação da subsidiária.

O capital inicial da nova firma totalizava Cr$ 130 milhões, sendo Cr$ 98,4 milhões em valores transferidos (bens e direitos de distribuição) e Cr$ 31,6 milhões em subscrição em dinheiro. E em princípio, seu carro-chefe eram os postos de abastecimento de combustíveis. Mas na virada de julho para agosto de 1973, a Petrobras Distribuidora partiu para competir em outro concorrido mercado, o de lubrificantes automotivos, ao lançar o Lubrax, óleo produzido em fábrica adjunta da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), no Grande Rio.

Na época, a Petrobras Distribuidora era apenas a quinta colocada em número de postos, somando pouco mais da metade dos que tinham a Esso e a Shell, líderes do segmento. Mas o lançamento do novo produto alavancaria a participação da empresa nacional no mercado em cerca de 42,3%, segundo nota do Jornal do Brasil de 4 de março de 1974, sete meses após a entrada do Lubrax no mercado. Em julho de 1976, três anos após o lançamento do óleo, a Petrobras Distribuidora já era a segunda do mercado nacional, só atrás da Shell.

Essa arrancada também se devia ao criativo uso da publicidade, face a duas restrições: a primeira era a de recursos, sem ter a mesma gorda verba da qual podiam lançar mão as multinacionais. E a outra era a proibição por parte do governo às propagandas que estimulassem o consumo de combustível – afinal, aquele era o período imediatamente posterior à Crise do Petróleo. Assim, o jeito era centrar esforços em divulgar o Lubrax, sempre baseando a campanha no caráter nacional da empresa: “Nossa gente, nosso óleo” era o slogan.

Esse caráter também seria expresso pela associação com a cultura brasileira na década seguinte: o Lubrax também apoiava o Projeto Seis e Meia, que levava shows de grandes nomes da música popular brasileira a teatros do Rio de Janeiro, como o Carlos Gomes, o João Caetano e a Sala Cecília Meirelles. E em 5 de junho de 1983, um comercial do óleo Lubrax foi a primeira imagem exibida na estreia da TV Manchete. A televisão brasileira, aliás, também levou ao ar algumas séries de comerciais da Lubrax que marcaram época.

Uma delas era a contagem regressiva para o Carnaval de 1984, protagonizada durante 30 dias pela apresentadora Íris Lettieri, a eterna “voz dos aeroportos”. Outra ainda mais lembrada foi exibida no segundo semestre de 1986 e trazia os cantores Tim Maia, Cauby Peixoto e Tetê Espíndola (então desfrutando do sucesso estrondoso da canção “Escrito Nas Estrelas”, revisitada agora em 2023) como frentistas dos postos Petrobras. “É a força verde e amarela ajudando o Brasil rodar”, dizia o verso adaptado no jingle da campanha.

Além de atrelar com sucesso sua imagem à cultura, a Petrobras Distribuidora se voltou ao esporte, começando pelo automobilismo: em março de 1982, a empresa acertou com a equipe Fittipaldi um contrato de patrocínio para três Grandes Prêmios daquela temporada da Fórmula 1, expondo sua marca com destaque nas laterais dos carros pilotados por Emerson Fittipaldi e Chico Serra – que, por força de uma das cláusulas, também se comprometiam a divulgar os produtos da holding. E logo seria a vez de atacar o mercado do futebol.

COM A MARCA NA CAMISA

Discutida no país desde o fim dos anos 1970, a publicidade nas camisas dos clubes de futebol profissionais só foi permitida e regulamentada em 13 de maio de 1982 pelo Conselho Nacional do Desporto (CND), órgão normativo do esporte brasileiro, hoje extinto. A regra valia para o que hoje se chama “patrocínio master”: os fornecedores de material esportivo já vinham exibindo suas marcas nas camisas dos times brasileiros desde 1978 – o Flamengo, por exemplo, ostentava desde agosto de 1980 o famoso “trevo” da alemã Adidas.

O primeiro clube a se aproveitar da nova regulamentação seria, curiosamente, um pequeno: o Democrata de Sete Lagoas, recém-promovido à primeira divisão mineira, passou a estampar no centro da camisa – em ironia ainda maior – a marca da uma empresa de material esportivo: a também mineira Equipe. Logo depois seria a vez de o Ceará exibir, nas costas da camisa, o patrocínio da Associação Cearense de Cadernetas de Poupança. Entre os grandes, Internacional, Atlético Mineiro, Corinthians e São Paulo aderiram já em 1982.

No Campeonato Brasileiro de 1983, disputado no primeiro semestre daquele ano, mais de uma dezena de clubes já exibiam alguma marca na parte da frente da camisa ou apenas nas costas – caso do vice-campeão Santos com as Casas Bahia. A novidade também chegou ao futebol carioca naquele ano, primeiro com o Vasco e seu patrocínio pontual da Bandeirante Seguros e mais tarde com o America, que já na reta final da Taça Rio acertou com a companhia aérea uruguaia Pluna para expor a marca na camisa pelo resto da campanha.

O Flamengo, que demorou um pouco a entrar na onda, curiosamente havia sido um dos primeiros a serem procurados, antes mesmo da autorização do CND: em dezembro de 1981, durante a disputa do Mundial Interclubes contra o Liverpool em Tóquio, dirigentes rubro-negros haviam sido abordados por executivos da Toyota, que patrocinava a competição. As conversas voltaram após a liberação, mas os valores oferecidos – US$ 100 mil por mês, ou Cr$ 16 milhões na conversão da época – não chegaram a animar, e não houve acordo.

Nota do Jornal dos Sports sobre o acordo de patrocínio.

Até que, no começo de abril de 1984, os dois protagonistas dessa história se cruzariam: Flamengo e Petrobras Distribuidora S/A fecharam um contrato de patrocínio no valor de Cr$ 60 milhões para expor a marca Lubrax na camisa do time nas seis partidas que os rubro-negros fariam pela terceira fase do Brasileirão. Caso a empresa desejasse manter a propaganda também para os três jogos restantes da equipe pela primeira fase da Libertadores, deveria desembolsar outros Cr$ 90 milhões – como acabaria fazendo.

O modelo do contrato, com a publicidade fechada apenas para um “pacote” de jogos, era muito simbólico daqueles primeiros anos de patrocínio nas camisas: com o mercado ainda tateando em valores e oportunidades, os acordos pontuais eram os mais comuns. O próprio Flamengo encarava o acerto como temporário, já que, nas palavras do presidente George Helal, almejava um contrato mais amplo com alguma empresa que aceitasse cobrir todos os esportes do clube por US$ 1 milhão (cerca de Cr$ 1,4 bilhão no câmbio da época).

Dentro da estratégia da Petrobras Distribuidora de se colocar como a grande marca nacional na briga de mercado com os produtos de empresas estrangeiras, fazia todo o sentido um contrato de patrocínio com o clube mais popular do país e de torcida verdadeiramente nacional, espalhada por todos os cantos do Brasil. Sobretudo com um Fla vindo de seu período mais vencedor: era o atual campeão brasileiro (título que levantara três vezes nos quatro anos anteriores), além de ter vencido a Libertadores e o Mundial Interclubes em 1981.

O Flamengo era, portanto, um trunfo poderoso da empresa para brigar num mercado cada vez mais acirrado. Em 24 de junho daquele ano, o Jornal do Brasil publicava matéria delineando a “guerra dos lubrificantes”: nada menos que oito marcas disputavam a preferência do consumidor divididas em três patamares, de acordo com sua fatia no mercado. A Petrobras Distribuidora se mantinha no primeiro, ao lado da Shell e da Texaco. Um pouco abaixo vinham emboladas Esso, Atlantic e Ipiranga. E num plano inferior, Mobil e Castrol.

Edmar marca contra o America na estreia do Lubrax na camisa (Foto: Placar)

O acerto entre a Petrobras e o Flamengo foi anunciado em 6 de abril, dois dias antes do jogo com o America no Maracanã. Na versão inicial do patrocínio, a marca Lubrax vinha com letras pretas dentro de um retângulo amarelo na frente e nas costas da camisa – o amarelo, aliás, era cor em alta no país na época por simbolizar a campanha das Diretas Já. Essa versão foi usada só em cinco jogos (apenas um no Manto branco, na estreia). Logo o retângulo sairia de cena, e o novo modelo teria o Lubrax em letras brancas sobre a faixa preta da camisa.

Com a marca exposta no Manto, o Flamengo avançou para o mata-mata do Brasileiro e para a fase semifinal da Libertadores, disputada em formato de triangular, conseguindo prorrogar o contrato por mais alguns jogos. Dentro de campo, entretanto, o time não iria além, sendo eliminado nas duas competições. Mas, mesmo assim, o ótimo retorno financeiro levaria a Petrobras a oferecer, em julho, um novo contrato bem mais substancial, com cotas mensais de Cr$ 70 milhões, e bem mais duradouro, valendo até 31 de dezembro daquele ano.

“Um dos maiores êxitos entre as promoções realizadas pela Petrobras Distribuidora este ano foi a utilização da marca Lubrax na camisa dos jogadores de futebol do Flamengo. O sucesso chegou a ser reconhecido pelas próprias empresas concorrentes, como lembrou Carlos Alberto Pinheiro [assessor de promoções da empresa]”, era o que dizia outra matéria do Jornal do Brasil, em 11 de novembro de 1984. Segundo o texto, aquele havia sido um ano bastante favorável à empresa, em que pesasse a retração no mercado de combustíveis.

Ainda segundo a matéria assinada por Isabel Christina Pacheco para o diário, de janeiro a setembro de 1984 a Petrobras Distribuidora havia aumentado suas vendas em 0,8% em relação ao mesmo período de 1983, contrastando com a queda de 0,1% experimentada globalmente pelo mercado no mesmo recorte de tempo. Era o resultado do investimento maciço em propaganda: além da camisa do Flamengo, a marca Lubrax patrocinava transmissões esportivas e era exibida em placas de publicidade em dezenas de estádios pelo país.

Os concorrentes: Esso, Atlantic e Texaco, entre outras, disputavam com a BR.

Pelo lado do Flamengo, uma vitória obtida no novo contrato assinado em julho era a extensão do patrocínio ao time de basquete. No dia 7 de outubro de 1984, num amistoso com o Corinthians no ginásio do America, na rua Campos Sales (Tijuca), a equipe masculina rubro-negro estampou pela primeira vez a marca Lubrax na camiseta, recebendo Cr$ 6 milhões. A partida ainda marcou a reestreia do ala-armador Carioquinha, que já defendera o Flamengo nos anos 1970 e era um dos grandes reforços da equipe para a temporada.

No fim do ano, feito o balanço, o futebol rubro-negro fecharia no azul: somando a receita vinda das escolinhas; das rendas dos jogos do Brasileiro, Estadual, Libertadores e amistosos; das vendas de jogadores; das cotas de televisão; do patrocínio da Petrobras e do contrato com a Adidas, o clube auferiu um total de Cr$ 6,718 bilhões sobre uma despesa de Cr$ 4,578 bilhões. O que assegurava esse lucro, no entanto, era fundamentalmente a negociação de atletas, responsável por quase metade do bolo (pouco mais de Cr$ 3 bilhões).

UMA LONGA PARCERIA

Plenamente satisfeita com o resultado financeiro obtido pela exposição de sua marca e a de seu óleo lubrificante na camisa rubro-negra, a Petrobras Distribuidora naturalmente abriria as mãos um tanto a mais ao renovar seu contrato com o Flamengo no início de 1985. O compromisso, que pela primeira vez teria a duração de uma temporada inteira, foi assinado no valor de 10 mil ORTN mensais (cerca de Cr$ 341 milhões) e – agora sim – compreendia não apenas o futebol e o basquete, mas todos os esportes praticados no clube.

Naquele início de 1985, aliás, o Flamengo não foi o único clube carioca a receber dinheiro da uma subsidiária da Petrobras: em fevereiro, o Fluminense embolsou cerca de Cr$ 600 milhões da Braspetro, braço internacional da empresa, para exibir sua marca numa excursão de quatro jogos com time misto que faria por Angola (onde a Petrobras começava as operações de uma plataforma marítima) e pela Argélia. Inclusive no mesmo voo da delegação tricolor viajou o presidente da Petrobras, o almirante Thelmo Dutra de Rezende.

O Flamengo, no entanto, ficaria mesmo sendo o clube de maior identificação com a marca, o que já começava a ser criado ali e era algo raro no início da publicidade nas camisas. Em 10 de março de 1985, na seção de Negócios & Finanças do Jornal do Brasil, uma nota dizia que a exigência dos compradores de uniformes do time de que o ‘Lubrax’ viesse nas camisas, tais como nas dos jogadores, levou a Adidas a pedir permissão à Petrobras Distribuidora para comercializar os Mantos com os logotipos estampados, o que foi consentido.

Ainda nessa linha da identificação entre clube e empresa, o chefe da Assessoria de Promoções da Petrobras Distribuidora, Carlos Alberto Pinheiro, já citado neste texto, voltaria a sublinhar, em entrevista ao Jornal dos Sports de 17 de julho de 1987, o quão grande e recompensador era o Flamengo como vitrine para a marca ao recordar que “há quase um ano não há publicidade em televisões do óleo Lubrax 4. Nem por isso as vendas caíram”. Se deixava a subsidiária satisfeita, o patrocínio não exatamente fazia o clube nadar em dinheiro.

No fim de 1986, perto da mais uma renovação do contrato, uma nota do Jornal do Brasil cogitava que, por ter fechado o balanço no vermelho em cerca de Cz$ 8 milhões naquele ano, o Fla poderia adotar a política de arrocho, já que “as propagandas na camisa, bem como o merchandise do clube, não são suficientes para cobrir os gastos. Das duas, uma: ou o Flamengo vende um dos seus craques para se equilibrar o departamento ou será obrigado a se reestruturar inteiramente (…) para enfrentar as dificuldades da nova temporada”.

Mesmo assim, o Fla se mostrava fiel à Petrobras e à identificação entre as partes. Por duas vezes naquela época a parceria balançou, mas o clube deu preferência à BR. Em fevereiro de 1987, a Perdigão acenou com proposta de patrocínio para o time masculino de vôlei que incluiria levar para a Gávea os craques da recém-extinta equipe do Bradesco, como Bernard e Bernardinho, além do técnico Ênio Figueiredo. Em nome do acordo que já tinha, o clube declinou – e a Petrobras acabou assumindo e bancando aquelas contratações.

O vôlei masculino rubro-negro com Lubrax na camisa em 1988.

Em setembro do ano seguinte, seria a vez do time de futebol quase passar a exibir outra marca: patrocinadora da Copa União, a Coca-Cola tinha o Fla como seu grande alvo e ofereceu 5.120 OTNs (ou Cz$ 12,25 milhões) por mês para estampar a marca do refrigerante na camisa. O clube, porém, obteve da Petrobras Distribuidora a melhoria de seu antigo contrato, empatando com os valores propostos pela multinacional. E preferiu seguir com a BR justamente pela identificação, além do fato de se tratar de uma empresa brasileira.

Abrindo um parêntese, vale lembrar que naquela época a Coca-Cola havia passado a patrocinar a maioria das equipes da elite nacional graças à iniciativa do marketing do Clube dos Treze – que tinha João Henrique Arêas, do Flamengo, à frente – no âmbito da criação da Copa União. Na edição de 1987 do torneio, nove das 16 equipes estampavam a marca da multinacional de refrigerantes na camisa. Já no ano seguinte, eram 14 dos 24 clubes participantes. E o número cresceria proporcionalmente pelos anos seguintes.

O início dos anos 1990 traria mais algumas evidências de como esse casamento fazia uma das partes bem mais satisfeita do que a outra. Na esteira do título rubro-negro no Brasileirão de 1992, o consumo de Lubrax aumentou 70% em 15 dias – isso dentro de um contexto de declínio nas vendas do setor nos cinco anos anteriores. Desde o início do Governo Collor, aliás, a Petrobras Distribuidora tivera sua verba de publicidade drasticamente reduzida e sequer tinha conta em agências de publicidade: seu outdoor era o Flamengo.

O clube, no entanto, achava insuficiente a cota de patrocínio de US$ 340 mil anuais: “Só da Umbro, entre material e verba paga ao clube, ganhamos mais ou menos a mesma coisa e da Brahma recebemos US$ 220 mil por ano pelas placas colocadas em volta do campo de futebol e um painel montado na arquibancada da Gávea”, revelava Ronaldo Fernandes, diretor do marketing do clube ao Jornal do Brasil em 23 de janeiro de 1993. A declaração indicava que uma das metas do Fla naquele ano seria revisar os valores do contrato.

“O contrato já caducou”, afirmava o novo presidente rubro-negro Luiz Augusto Veloso, empossado naquele início de ano herdando uma dívida de US$ 8,5 milhões. O compromisso então vigente, assinado em agosto de 1991, seria reajustado em julho de 1993 sofrendo alterações substanciais. Para passar a estampar a marca também no uniforme de treino, agasalhos e roupas de viagem, o Fla receberia outros US$ 380 mil anuais, mais que dobrando o valor de US$ 300 mil que embolsava antes. E as novidades não ficavam só nisso.

Marcas no uniforme de treino: novidade do contrato de 1993 (Foto: O Globo).

O contrato assinado por Veloso e por Orlando Galvão, presidente da Petrobras Distribuidora e vice da empresa matriz, estipulava que o repasse da verba seria feito a cada semestre e reajustado pelo Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas. Também previa que 20% do valor total caberiam aos esportes olímpicos. O prazo também foi alterado: o antigo terminaria em 31 de dezembro de 1996, enquanto o novo compromisso foi prorrogado até 13 de fevereiro de 1997. Eram melhoras significativas e há muito aguardadas.

UMA UNIÃO DESIGUAL

Ainda assim, eram condições que ficavam aquém, em valores ou benefícios, das que desfrutavam os três grandes da capital paulista, de acordo com números publicados no Guia do Campeonato Brasileiro de 1993 da revista Placar. Mesmo arredondando os valores anuais do Fla para US$ 700 mil, eram cifras inferiores aos US$ 780 mil anuais que a rede de papelarias Kalunga pagava ao Corinthians e quase metade do fabuloso montante de US$ 1,32 milhão que companhia aérea TAM desembolsava ao São Paulo, também por ano.

Já no caso do Palmeiras, embora o clube recebesse um valor nominal menor (US$ 600 mil anuais) do fabricante de laticínios Parmalat, a quantia não incluía as – muitas – contratações de jogadores feitas por fora pela multinacional italiana para reforçar o elenco alviverde. Para piorar o cenário rubro-negro, a década de 1990 ficaria marcada pelo crescimento exponencial do endividamento do clube, sobretudo na parte fiscal. O que já indicava uma matéria do Jornal do Brasil de 20 de novembro de 1994 com o balanço da gestão Veloso.

Só no biênio 1993/94 as dívidas quase triplicaram: de US$ 8,5 milhões em dezembro de 1992, ao fim da gestão Márcio Braga, para US$ 24,5 milhões em outubro de 1994, no apagar das luzes da gestão Veloso. Mesmo com as verbas da BR, Brahma, Umbro e outras fontes de renda, a despesa mensal ainda era o dobro da receita. Também em outubro, a Procuradoria Geral do Ministério da Fazenda faria o primeiro registro de inadimplência do Flamengo no Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin).

Esse registro seria seguido por outro feito pela Caixa Econômica Federal em agosto de 1997, e os dois colocariam em xeque o contrato do Flamengo com a BR, o que preocupava não só ao clube, como também a distribuidora: “O Flamengo é muito importante para nós. É um dos melhores instrumentos de geração de mídia espontânea do Brasil. Os contratos de todos os outros times de futebol têm valor superior ao nosso. E o retorno que o Flamengo dá é dos maiores”, afirmava o gerente de comunicação da empresa, Bayard Lagrotta.

O contrato rendia então ao clube R$ 4,8 milhões por ano, mas o benefício da exposição da marca era incalculável até para os executivos da Petrobras Distribuidora. Só na apresentação do time do Flamengo para aquela temporada a BR teve retorno de R$ 300 mil em mídia espontânea (espaço ocupado na mídia impressa e tempo de exposição no rádio e na televisão). “E isso só no dia da apresentação. Imagine nos jogos”, observava Lagrotta, em declarações publicadas pelo Jornal do Brasil de 19 de agosto de 1998.

Naquele ano, a Petrobras Distribuidora celebrava a liderança do mercado, tendo o óleo Lubrax como produto “Top of Mind” de seu segmento, à frente de concorrentes da Texaco, Ipiranga e Shell. E em julho de 1999, comemorava o retorno obtido com a conquista do título estadual pelo Flamengo, com fotos do time ostentando a marca em todos os jornais além de uma audiência de 41 pontos nas TVs abertas durante os jogos decisivos contra o Vasco. Enquanto isso, a dívida do Fla crescia feito bola de neve.

Flamengo 2004: anunciando o Lubrax sem receber.

O momento mais traumático viria em 2004, quando a Justiça atendeu a uma liminar que impedia a liberação da verba de patrocínio em razão das dívidas fiscais do clube. O Flamengo passou o ano inteiro anunciando a marca Lubrax na camisa sem poder receber um centavo da BR Distribuidora. Em março, numa análise estrutural dos 12 grandes clubes do país, a revista Placar comentava que o marketing rubro-negro tinha o “maior potencial do Brasil, não explorado” e que o contrato com a Petrobras “não está entre os mais lucrativos”.

Naquela primeira metade dos anos 2000, aliás, a Petrobras vinha diversificando seus patrocínios esportivos: no automobilismo, apoiava equipes de Stock Car e Fórmula Truck e o time brasileiro no Rali Paris-Dacar, além de fornecer combustível à equipe Williams de Fórmula 1. Também chegou a patrocinar equipes de vôlei como o Força Olímpica, de Brasília, e o Macaé; competições de surfe; seleções brasileiras de handebol e futsal; e o próprio Comitê Olímpico Brasileiro, além de internacionalizar a marca na camisa do Racing argentino.

Em 2006, o Lubrax cedeu o lugar de destaque na camisa rubro-negra para outro produto da BR, o Cartão Petrobras. A marca do óleo foi remanejada para uma das mangas, com a outra ocupada pela gasolina Pódium. Dois anos depois, no entanto, o Manto voltou a ostentar o Lubrax na parte nobre – não sem o clube passar por um constrangimento causado pela Nike, fornecedora de material esportivo, que, ao apresentar o novo modelo, em março daquele ano, manteve o Cartão Petrobras, que havia sido extinto, na frente da camisa.

No ano seguinte, em 31 de março, o Flamengo faria sua última partida com patrocínio Lubrax na camisa vencendo o Americano em Campos por 1 a 0. No dia 2 de abril, o clube anunciava de modo unilateral o encerramento da parceria, alegando as reiteradas dificuldades para receber a verba em vista de suas dívidas fiscais com o Governo Federal. Um novo contrato, alinhavado em janeiro no valor de R$ 14 milhões, nem chegou a ser efetivado. Na partida seguinte, o Fla-Flu de 5 de abril, a camisa rubro-negra aparecia imaculada.

Em 2009, o último Manto com patrocínios da BR Distribuidora.

Aquele seria um ano de transição na camisa rubro-negra em mais de um aspecto: além de não exibir mais os produtos Petrobras, o próprio Manto trocou de fabricante, da estadunidense Nike para a brasileira Olympikus. O Flamengo ficaria cerca de quatro anos anunciando outras marcas até conseguir, em abril de 2013 na gestão de Eduardo Bandeira de Mello, as Certidões Negativas de Débito (CNDs) comprovando a regularização de sua situação fiscal e podendo, com isso, voltar a contar com patrocínio de estatais, conforme a legislação.

CONCLUSÃO

Para resumir, portanto, a história do patrocínio da Petrobras Distribuidora ao Flamengo, é preciso esclarecer alguns pontos. O primeiro é a finalidade: a BR pagava ao clube para anunciar seu produto (o óleo Lubrax) que concorria em mercado aberto – mercado, aliás, bastante disputado, com pelo menos sete outras marcas brigando pela preferência do consumidor, incluindo gigantes multinacionais do segmento. E sem qualquer privilégio à empresa nacional, como declararam técnicos do Conselho Nacional do Petróleo em 1974.

O segundo é a disputa para anunciar na camisa rubro-negra: nesses 25 anos, o clube recebeu e recusou inúmeras propostas de empresas privadas, como a Coca Cola, a Perdigão e o Banco Excel (em 1998), por mais vantajosas que fossem, em nome da longa parceria com a distribuidora. No caso da Coca-Cola, também pesou a favor da BR o fato de ser uma empresa nacional. A prioridade fez, aliás, com que o clube se sujeitasse a contratos abaixo do valor de mercado e inferiores aos de outros clubes, sobretudo em vista do retorno que gerava.

E isso desmonta a crítica comumente feita de que o clube foi “sustentado” pela subsidiária da petrolífera nacional. Muito antes o contrário: as vitórias rubro-negras é que frequentemente serviam de impulso às vendas do óleo Lubrax inclusive em contextos de baixa ou até de crise no segmento de lubrificantes. Além disso, o Flamengo foi, desde sempre, a grande vitrine da Petrobras Distribuidora. Por vezes, a única. E a empresa sempre lucrou com isso, alcançando a liderança de seu mercado graças a sua associação ao clube.

Em contrapartida, a verba publicitária paga por ela não foi suficiente para evitar que o Fla entrasse em violenta crise financeira a partir da década de 1990 a qual, ironicamente, colocaria em risco o próprio contrato entre as partes e levaria o clube a fazer propaganda da marca por um ano inteiro sem poder receber a verba. Em vez de “sustentado”, nos 25 anos de contrato o Flamengo cumpriu com a Petrobras o mesmo papel que vem desempenhando ao longo das décadas no cenário econômico do futebol brasileiro: o de trem pagador.